Resumo |
Este trabalho, como fruto de uma pesquisa maior que ainda está em desenvolvimento, analisa o contrato de comunicação da literatura e seu funcionamento no conto “A Causa Secreta” de Machado de Assis, circunscrito na fase realista machadiana, registrado em 1885 e publicado em 1896, no livro de contos intitulado “Várias Histórias”. No enredo, são protagonistas dois médicos, Garcia e Fortunato, além da esposa deste, Maria Luisa; todos mortos, dos quais as ações são narradas por um sujeito-enunciador parcialmente distante. Guiados, pois, pelo encadeamento não-linear das sequências narrativas, é à medida que os laços entre os doutores se vão estreitando que episódios estranhos e suspeitos conduzem ao suposto desvendar da causa secreta. Longe de esgotar o tema, com efeito, nosso projeto visa elucidar como as ferramentas teórico-metodológicas da Teoria Semiolinguística de Análise do Discurso, elaborada por Patrick Charaudeau (2008) e adaptada por Renato de Mello ao texto literário (2006), podem contribuir para a compreensão da encenação narrativa ficcional machadiana, para além de questões de estética e recepção, desvelando, sob o viés enunciativo, seu modo de organização, bem como os papeis desempenhados pelos sujeitos do ato de linguagem e suas possíveis intencionalidades, e, nesse sentido, colaborando para uma maior aproximação entre os estudos discursivos e literários. Com estes objetivos, portanto, e partindo dos pressupostos teóricos mencionados, propusemos uma metodologia de caráter bibliográfico para, então, aplicarmos a teoria discutida no corpus. Assim, os resultados parciais obtidos tangenciam dois aspectos: i) a predominância do modo de organização narrativo; ii) a integração entre os discursos do sujeito-enunciador e de uma das personagens como possível estratégia linguístico-discursiva. Sobre o primeiro aspecto, temos visto que, embora o texto seja orientado substancialmente pelos moldes do modo de organização narrativo, por se tratar de um conto literário, vale-se, também, como previsto por Charaudeau, de procedimentos linguísticos dos modos enunciativo (em sua modalidade delocutiva) e descritivo. Consideramos que isso se deve aos possíveis efeitos de realidade e de distanciamento, próprios de gêneros realistas. Por sua vez, no que se refere ao segundo tópico, observamos que o sujeito-enunciador, configurando-se como um narrador-contador que se apresenta extradiegético, isto é, exterior aos fatos narrados, tal como se convenciona comportar neste gênero em específico, assume, no entanto, por muitas vezes, o discurso de uma personagem-testemunha, o que produz um efeito de sentido provocador de dúvida não apenas sobre o discurso narrado em si, como também sobre a própria personagem de quem toma a voz. Destarte, quem, de fato, é o narrador deste conto e a que finalidade se propõe essa estratégia narrativa? É o que pretendemos verificar no decorrer da pesquisa que, por não estar concluída, se resguarda de considerações finais apressuradas. |