Resumo |
Se, para a Linguística Cognitiva, a língua é um sistema mental ancorado na experiência sensório-perceptual e sociocultural dos indivíduos, deve-se admitir que a atividade linguística é sempre um fenômeno situado. A língua, então, em oposição à visão estruturalista, deixa de ser um sistema formal, abstrato e isolado das situações concretas de uso e se define enquanto atividade cognitiva que integra, de modo complexo, conhecimentos formais, enciclopédicos e sensório-motores de seus usuários. A investigação dos fenômenos linguísticos pode, portanto, sinalizar a influência do contexto nas relações sintático-semântico-pragmáticas das construções do idioma. Este trabalho, nessa perspectiva, consiste no levantamento das 100 músicas mais tocadas nos anos de 2018, 2019 e 2020, de acordo com o site Mais Tocadas, seleção das canções do gênero musical sertanejo performadas por mulheres, bem como no mapeamento e descrição das construções gramaticais instanciadas, com foco nas situações de explicitação ou de apagamento de complementos verbais. A presente pesquisa ampara-se nos pressupostos teóricos da Linguística Cognitiva (FERRARI, 2011), na abordagem construcionista da Gramática de Construções (GOLDBERG, 1995), no aporte teórico das Construções de Objeto Interdito (BRONZATO, 2009) e na perspectiva sociocognitiva da Semântica de Frames (FILLMORE, 1981). Objetiva-se, com isso, construir um banco de dados a partir da coleta das músicas mais tocadas no Brasil no período, totalizando 300 canções; descrever e analisar as construções gramaticais e molduras semânticas (frames) evocadas por suas letras; investigar as motivações pragmáticas envolvidas na explicitação ou interdição de complementos verbais; além de discutir tabus verbais, papéis e expectativas sociais associados a mulheres na sociedade brasileira. A metodologia, até o momento, tem sido de busca de dados em plataformas digitais, identificação, descrição e análise de construções sintáticas e esquemas conceptuais presentes nos materiais investigados. As análises, que estão em andamento, sinalizam, até o momento, a existência de inovações linguísticas e usos não canônicos no repertório de construções do português brasileiro (PB), a forte vinculação entre o gênero musical sertanejo e seus contextos de produção e recepção, o acionamento de frames de conteúdo afetivo-sexual, o apagamento de complementos verbais em razão de tabus verbais, a existência de concepções estereotipadas em relação ao feminino e a reprodução de performatividades tipicamente masculinas por parte das cantoras sertanejas. |