Resumo |
A Iconologia jurídica parte das obras de arte em geral para analisar a formação do direito, da justiça e dos institutos jurídico-políticos em sentido amplo (MARTYN, 2020). Dentre as múltiplas fontes de análises possíveis para o contexto artístico mineiro demarca-se a arte sacra enquanto elemento de integração e formação social do povo, a qual, da fundação do Estado até o século XVIII, atuou como modo acessível à ordem justa de comportamento e de aproximação cultural em um contexto de altos índices de cidadãos não alfabetizados. Analisaram-se, então, a Igrejas do Vale do Piranga, sobretudo o Santuário do Senhor Bom Jesus do Matozinhos, localizado no Distrito de Santo Antônio do Pirapetinga (Bacalhau), Município de Piranga, a fim de compreender as manifestações da justiça em meio às suas obras artísticas, atribuídas, em regra, ao Mestre de Piranga - ou ainda a um atelier regional (SANTOS FILHO, 2011). Tratam-se, pois, de expressões do barroco e do rococó com características peculiares e de cunho popular (ALVES, 2011), contendo, em seu retábulo-mor, a imagem do Cristo Crucificado e no forro da capela-mor a pintura da cena da Ressurreição. Já no forro da nave do Santuário, de trama arquitetônica em perspectiva ilusionista (RIBEIRO, 2009), observa-se, em síntese, a existência de quatro apoios principais de pilares, na cena central a pintura da Santíssima Trindade e nos ângulos laterais situam-se os quatro evangelistas. A referida ordenação das obras remete de pronto a uma perspectiva da justiça e da verdade, iniciando-se pelo sacrifício da Crucifixão, perpassando pela glória da Ressurreição e a posterior união da Trindade, tendo à sua base os evangelistas enquanto precursores para o alcance da justiça eterna. Este panorama é ainda integrado pela passagem do Evangelho (Mateus, 11, 28) disposto na entrada do Santuário: “Venite ad me omnes, qui laboratis, et onerati estis, et e go reficiam” e pela imagem do Bom Jesus do Matozinhos localizada na Sala dos Milagres, caracterizado pela presença de olhar esquerdo direcionado para cima e o direito para baixo e uma espessa linha de sangue vermelha em torno do pescoço, remetendo a um enforcamento que não aparece nas representações tradicionais dos Evangelhos. Observa-se, portanto, a pretensão das obras em promover a conversão a partir da alegoria de personificação dos conceitos de justiça, paz e verdade. Nesse sentido, a análise da estrutura ilusionista das obras ordenadas na parte inicial do Santuário somado ao olhar do Cristo na Sala dos Milagres permite tanto verificar a proposta de expiação dos fiéis quanto remete à interligação entre o céu e a terra: o Cristo mantém seu olhar na terra e remete os indivíduos à justiça do céu, chamando-os e permitindo-lhes esta passagem diante da desesperança que se tem com a justiça dos homens. Nota-se, pois, que tais obras contêm elementos e traços que se demonstram como rica fonte de história do direito e da justiça nas Minas Gerais do século XVIII e início do XIX. |