Resumo |
A presente pesquisa origina-se na tentativa de análise intersemiótica de textos do poeta francês Charles Baudelaire e obras do artista plástico argentino León Ferrari, enfocando a representação da experiência humana e artística na cidade moderna. Em ambas as produções, nota-se que elas lidam com modalidades de experiências que impedem, no plano humano, a existência de uma comunicação plena entre os sujeitos, e, no plano artístico, que a obra de arte continue propiciando ao sujeito que dela frui uma experiência contemplativa e transcendente. Hipóteses iniciais permitem considerar que os textos de temática urbana de Baudelaire, que tratam questões relativas a novas conformações da experiência no contexto da modernidade técnica e urbanística do Segundo Império, se mostram relevantes para abordar as heliogravuras de Ferrari, que representam a vivência na megalópole São Paulo. Nesse sentido, discussões estruturais sobre o tecido urbano contemporâneo, tratadas por León Ferrari, remeteriam àquelas levantadas, de modo inédito, por Charles Baudelaire em sua obra ambientada na Paris oitocentista. A hipótese está calcada na consideração da relevância das premissas baudelairianas para a abordagem de estéticas urbanas, posteriores à sua poesia, modernas ou contemporâneas. Assim, se a lírica baudelairiana reflete um processo inédito de significação da obra de arte - que, no momento pioneiro da poesia urbana, vislumbrava, com a ótica do "flâneur", um potencial de singularização da experiência humana pela via do poético -, a obra ferrariana, por sua vez, se insere nessa tradição moderna. Dadas as similitudes entrevistas nas criações de Charles Baudelaire e León Ferrari, nosso propósito é, pois, aproximar as duas obras no que tange às possibilidades do fazer literário e pictórico no contexto do surgimento, desenvolvimento e transformação das cidades de Paris e São Paulo. Desse modo, comporão o corpus de nosso estudo o poema "Les Foules", do livro "Petits Poèmes en Prose" (1869), e as heliogravuras "Cruzamiento" (1982) e "Destino" (1982). Mergulharemos, portanto, na estética de Baudelaire e Ferrari, analisando suas técnicas, temas e estruturas, no sentido de propor um diálogo imanente entre as imagens do artista plástico e a literatura do poeta, evidenciando a relação das obras com a estética urbana, a crítica social e a imagética da multidão. Para tanto, teremos como aparato teórico e metodológico a tipologia de índices desenvolvida por Liliane Louvel em sua proposta de "descrição pictural" (LOUVEL, 1997); no âmbito da vivência urbana, apoiaremos nossa análise a partir de Henri Lefebvre, em sua obra "Direito à cidade" (1968). Nesta fase inicial da pesquisa, as primeiras análises detiveram-se na detecção dos "índices picturais" do poema "Les Foules", cuja estrutura se revelou eivada de notações arquitetônicas em situações de isolamento do citadino urbano, o que aponta para a futura relação a ser estabelecida com as heliogravuras de León Ferrari. |