Resumo |
A liberdade sexual é direito fundamental constitucionalmente assegurado. Nessa lógica, todos deveriam possuir o direito ao livre consentimento nas relações sexuais. Para os crimes sexuais, a liberdade decisória da vítima mostra-se como eixo central da discussão, devendo existir autorização prévia de todos os envolvidos para a prática de atos de natureza sexual. E isso não se limita aos atos sexuais stricto sensu (conjunção carnal, o sexo anal e/ou oral, como a leitura mais apressada pode dar a entender). Mais que isso, abarca a ideia de liberdade decisória sobre com quem e sobre como praticar ou não um ato que tenha natureza afetivo-sexual. Logo, quando a prática desses atos se dá por meio de violência, grave ameaça ou fraude, é perfeitamente possível enquadrá-lo às hipóteses de incidência previstas no Código Penal. Há, porém, situações em que a vítima, especialmente aquela do sexo feminino não consente, ao menos não de forma plenamente livre na prática dos atos, mas a ausência dessa liberdade decisória concretamente identificada não se amolda aos padrões fechados de violência, grave ameaça ou fraude, carecendo de um olhar mais atento. Nesse sentido, o presente trabalho buscou identificar os marcos teóricos das decisões do Tribunal de Justiça de Minas Gerais para a aferição do consentimento da mulher como elemento de caracterização/descaracterização de crimes sexuais, com ênfase no crime de violação sexual mediante fraude. Para isso, realizou-se coleta de dados jurisprudenciais do sítio eletrônico do TJMG, tomando-se por critérios de filtragem a palavra-chave “violação sexual mediante fraude” e o intervalo temporal de janeiro de 2010 a dezembro de 2020, foram selecionadas as decisões judiciais. Foram encontrados 14 espelhos de acórdãos com os critérios utilizados, descartando-se, no entanto, aqueles que não versavam sobre o julgamento do mérito, os que apresentavam vítimas menores e os que abordavam o crime de violação sexual mediante fraude em contexto de atuação profissional. Após esse descarte, os acórdãos restantes foram analisados conforme questões qualitativas. Paralelamente, procedeu-se o levantamento de artigos científicos sobre a temática coletados junto às bases de dados da B.On, Scielo e CAPES, a fim de comparar os avanços científicos sobre o tema com a práxis no TJMG. Pela análise, conclui-se, ao menos por hora, que as decisões judiciais não refletem as perspectivas da criminologia feminista, descortinando um judiciário ainda vinculado a uma perspectiva patriarcal e patrimonialista dos crimes sexuais; que não há o estabelecimento claro dos elementos de caracterização/descaracterização do consentimento da vítima. |