Resumo |
"Esclarecer", "Meia tigela" e "Inhaca". As três palavras, e mais 37 vocábulos, aparecem como expressões que devem “ser abolida[s] do vocabulário” em uma nova cartilha do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que busca reunir expressões que precisam ser banidas por apresentarem conotações supostamente racistas. A cartilha “Expressões racistas: por que evitá-las”, publicada no dia 30 de novembro de 2022, tem o formato de um livreto com 40 verbetes contendo em cada entrada uma expressão (ou vocábulo) seguido de uma explicação do porquê esta é racista. O documento, que pode ser encontrado online, foi pensado e produzido pela Comissão de Igualdade Racial e seus 13 membros, sob a coordenação institucional do ministro do TSE Benedito Gonçalves. No dia 09 de dezembro de 2022 o jornal online “Gazeta do Povo” publica um texto sob a etiqueta “suposto racismo” acima do título “Esclarecer, meia-tigela, humor negro... TSE cria lista de palavras a serem banidas do vocabulário”. O texto, resumidamente, contra-argumenta alguns dos verbetes apresentados na cartilha do TSE. O periódico, com centenas de acessos, conta com 499 reações indignadas dos leitores e 583 comentários, entre os quais encontram-se majoritariamente pessoas encolerizadas. A notícia parece inflamar os leitores contra a tentativa do TSE de intervir nas expressões que podem ou não ser ditas. Alguns dos comentários fazem até mesmo menção à censura por parte do TSE. Principalmente nos fóruns da internet, a discussão sobre a exclusão (e inclusão) de expressões do (no) vocabulário com a justificativa de não ofender determinados grupos minoritários sempre causa certo alvoroço. De um lado aqueles que pensam ser relevante a coibição destes termos e de outro aqueles que acreditam que a língua não deve ser interditada (ou modificada) sob qualquer justificativa. Contrapor os argumentos destes dois lados e analisá-los discursivamente possui grande relevância, visto que as discussões sobre o tema se mantêm pertinentes e surgem de tempos em tempos sob a roupagem de uma preocupação com a "conservação da língua" ou ainda da sensibilização dos falantes para um "novo problema social" no âmbito da linguagem e, por consequência, do discurso. Neste sentido, procura-se fazer uma análise discursiva do discurso antirracista nesta cartilha, de modo a apreender as estratégias argumentativas utilizadas nela para classificar determinadas expressões. Além disso, busca-se em um segundo momento verificar a contra-argumentação daqueles que se opõem à cartilha, como por exemplo o texto e os comentários no jornal Gazeta do Povo. Objetifica-se neste projeto não a validação das expressões como sendo ou não racistas, mas sim a compreensão do discurso e da argumentação antirracista no âmbito da linguagem (isto é, do discurso) e da interdição, se pautando para isso no escopo da Análise do Discurso, nos princípios teóricos da Semiolinguística de Patrick Charaudeau e na discussão de Orlandi sobre o silenciamento enquanto prática discursiva. |