Resumo |
Este trabalho resultou de uma pesquisa de iniciação científica financiada pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), ligado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), da Universidade Federal de Viçosa. Procuramos responder à seguinte pergunta: “Como o desenvolvimento do comércio de goma-arábica, inclusive sua expansão e retração, impactou as sociedades estabelecidas no Vale do Rio Senegal oitocentista?”. Entre os séculos XVII e XIX, o comércio de goma-arábica desempenhou um papel fundamental nas economias da colônia francesa do Senegal e das sociedades oeste-africanas. A goma-arábica é uma resina extraída de um pequeno arbusto que cresce na costa meridional do Deserto do Saara, conhecida como Sahel, e que contou com diversos usos ao longo da história. Localmente, ela foi utilizada na construção de habitações, na medicação de certas condições, como a diarreia, e no preparo de alimentos. Na Europa, ela foi utilizada para preparar alimentos, cosméticos, vestimentas e papel. A partir do século XVIII, com a industrialização do continente, as indústrias europeias importaram quantidades cada vez maiores da resina, empregando-a na confecção de tecidos de chita de algodão e no desenvolvimento do linho e da seda. Apesar da centralidade do comércio de goma-arábica para as relações entre europeus e africanos no século XIX, a Historiografia dedicou pouca atenção ao tema até agora. Buscando preencher essa lacuna, nosso objetivo foi compreender as consequências desse comércio para as sociedades nativas do Vale do Rio Senegal. Para tanto, analisamos contratos estabelecidos entre africanos e europeus entre as décadas de 1780 e de 1840, hoje armazenados nos Arquivos Nacionais do Senegal. Nossa metodologia consistiu na leitura a contrapelo de tais documentos, com vistas a compreender a perspectiva nativa a respeito do comércio que ocorria em seu território e das relações estabelecidas entre os diferentes agentes históricos da região. Com base em nossa análise, concluímos que, até a década de 1840, o Vale do Rio Senegal apresentava uma ordem política multifocal. As sociedades ali estabelecidas buscaram concretizar seus objetivos econômicos e preservar sua soberania, mesmo que, em seus trâmites diplomáticos, tenham necessitado ceder em algumas de suas reivindicações. No que tange ao comércio com os europeus, as sociedades nativas mantiveram seu poder de decisão até um período relativamente tardio. O comércio de goma-arábica mostrou-se extremamente lucrativo para as autoridades e comerciantes nativos, permitindo investimentos na burocracia e militarização dos Estados e evidenciando sua capacidade política e militar. Finalmente, estabelecemos conexões entre o comércio extrativista de goma-arábica e outros comércios extrativistas no Brasil, revelando semelhanças históricas e propondo melhorias na indústria extrativa nacional. |