Resumo |
O projeto de iniciação científica a ser apresentado é resultado de pesquisas e discussões desenvolvidas em torno de dois textos: "Verdade e política", capítulo integrante da obra "Entre o passado e o futuro", da filósofa alemã Hannah Arendt, e parte da obra "O que resta de Auschwitz", do filósofo italiano Giorgio Agamben. A pesquisa pautou-se, essencialmente, na leitura e discussão dos textos. As obras foram analisadas, de certa forma, de modo comparativo e complementar, ou seja, buscou-se, nos dois textos, pontos de divergência, convergência e complementaridade entre os pensamentos dos dois autores, com foco nos objetivos deste projeto de pesquisa, isto é, verdade fatual e testemunho. Hannah Arendt deixa claro que o tipo de verdade que está diretamente relacionado à política é a verdade dos fatos, isto é, a verdade fatual...Nesse sentido, uma vez que a verdade dos fatos relaciona-se sempre com pessoas, ou seja, existe na medida em que se fala sobre ela, entra em cena a figura do testemunho, que tem como função asseverar a verdade fatual. Giorgio Agamben, por sua vez, ao analisar o testemunho dos sobreviventes de Auschwitz, com destaque para o de Primo Levi, expõe, na prática, a luta verdade fatual versus política. Num primeiro momento, Arendt analisa a própria constituição da verdade fatual: os fatos sempre poderiam ter sido de outra forma, inclusive da forma como o mentiroso diz que eles são. Esse quadro é mais agravado ainda quando se pondera que as testemunhas, asseguradoras da verdade fatual, sempre são passíveis de falsificação, ou seja, o testemunho possui uma espécie de arbitrariedade universal. Desse modo, o poder político, quando ameaçado de alguma forma pelos fatos, pode se empenhar para tornar estes uma questão de opinião, colocando em risco, por conseguinte, a coercitividade inerente à verdade fatual e podendo provocar uma espécie de suspeição geral, isto é, apagando, de certa maneira, a linha divisória entre verdade e mentira. Agamben, por outro lado, retrata a chamada aporia de Auschwitz: no campo de concentração, sempre há algo que extrapola a expectativa fatual, o que provoca uma dificuldade de compreensão do fenômeno lá vivenciado. O autor expõe que os únicos que detêm a verdade dos fatos a respeito de Auschwitz são as testemunhas. Entretanto, os que experimentaram de forma radical a experiência do campo de concentração experimentaram também a morte e, portanto, surge uma “lacuna”, haja vista que não se tem acesso ao testemunho destes. Assim, quando se trata da experiência extrema de Auschwitz, a única fonte possível para o testemunho são os sobreviventes, que, pelo próprio fato de sobreviverem, não são testemunhas autênticas nessa situação. Logo, não há “constatação” em Auschwitz e o testemunho, nesse caso, adquire um novo estatuto, que no olhar de Primo Levi está para além da forma jurídica. |