Resumo |
O acesso à água potável é direito humano imprescindível para uma vida digna. Inúmeras atividades econômicas influenciam na qualidade e quantidade da água, como atividades agropecuárias que são apontadas como as principais responsáveis pela contaminação e disponibilidade de água. Herança da Revolução Verde, os monocultivos transgênicos impulsionaram práticas degradantes dos solos brasileiros e contribuíram para a contaminação da água, do solo e de trabalhadores/as do campo. A busca por metodologias para identificação rápida da qualidade da água é um desafio para o monitoramento. Para tanto, é importante considerar saberes e experiências de povos que lidam dia após dia com esse recurso. A agroecologia é uma ciência multidisciplinar que incorpora muitos princípios das etnociências que, de forma geral, têm como objetivo a articulação entre o conhecimento acadêmico e o conhecimento popular. Dentre as etnociências, a etnohidrologia é o estudo e sistematização dos critérios qualitativos, ambientais e sociais utilizados pela população em relação ao uso da água. A descrição etnográfica sobre as relações humanas com a água, subsidiada pelas dimensões sociais, culturais e econômicas permite compreender os múltiplos critérios sobre o uso e os cuidados com a água. Na pesquisa aqui apresentada, a abordagem etnográfica foi utilizada com o objetivo de identificar indicadores etnohidrológicos na região da Zona da Mata Mineira, e caracterizar o uso e a ocupação da terra por famílias de duas comunidades rurais e como suas atividades podem interferir na qualidade da água. A pesquisa foi realizada na Comunidade do Deserto, município de Viçosa, onde se encontra o Córrego do Deserto, aporte hídrico do ribeirão São Bartolomeu, e nas proximidades do rio Turvo Limpo, nos municípios de Paula Cândido e Porto Firme. Durante as entrevistas e análises de conteúdo, notou-se que os principais parâmetros utilizados para qualificar a água de abastecimento residencial provindas de poços não confinados, são organolépticos. Além disso, foi notada a grande preocupação com a diminuição do volume de água em curto prazo. A escassez da água, apontada em todas as entrevistas, foi atribuída principalmente às ações do ser humano. Problemas relacionados à saúde dos peixes também estiveram entre as observações dos moradores quanto à percepção dos mesmos no que tange à qualidade da água. O crescimento do número de casas na zona rural, o aumento de perfuração de poços não confinados, a falta de manejo das nascentes, o uso de agrotóxicos, plantações de monocultivos de eucalipto e assoreamento de brejos e rios também foram mencionados como fatores que comprometem a quantidade e qualidade da água. Ouvir, compreender e sistematizar os saberes tradicionais, em relação ao uso da terra e da água, é uma forma de buscar estratégias e avanços na construção do conhecimento agroecológico e de práticas sustentáveis com o protagonismo dos/as agricultores/as familiares. |