Resumo |
No avanço da internacionalização do capital e das tendências neoliberais de reestruturação do Estado, assistimos à versão brasileira da cultura do assalariamento como produto das mudanças do trabalho, baseadas no individualismo e uma nova ética que combina empreendedorismo, autorealização e autoresponsabilização (CAMPOS, 2003). Nesse sentido emerge um discurso que responsabiliza o trabalhador pela própria empregabilidade e o incentiva valorizar risco, mudança e inovação. A questão que orienta esse trabalho é: estamos diante da renovação simbólica de valores embutidos na ética do trabalho da era pós-fordista, centradas no incentivo ao autoemprego e empreendedorismo? O objetivo é analisar a empregabilidade sob o prisma do problema público, com base nos discursos do SEBRAE, e estudar os aspectos presentes nos pacotes interpretativos relacionados à instituição. O modelo teórico é argumentativo e baseia-se na abordagem construtivista de problemas públicos. Atores competem pela definição de problemas e instauram processos conflitivos de disputas pela atenção pública em arenas específicas. Segundo Gusfield (1991), problemas públicos possuem uma cultura e são socialmente construídos em estruturas cognitivo-morais. Nesse sentido, o SEBRAE se destaca como autoridade discursiva em relação ao trabalho autônomo e na construção de respostas a problemas como desemprego e informalidade. O estudo é qualitativo e teórico-empírico, quanto aos objetivos é explicativo-descritivo (GIL, 2002) e utiliza-se do método de análise do discurso de Gusfield, que se baseia em técnicas de estudo das comunicações, empregadas em textos e documentos a partir de procedimentos de descrição dos conteúdos e realização de inferências. O material utilizado consiste em vídeos institucionais publicados pelo SEBRAE em seu Facebook no período de 2015 a 2019. Os resultados mostram que o empreendedorismo é utilizado como resposta ao desemprego, embora seu crescimento esteja acarretando fortemente na informalidade. Nota-se que o ideal de empreendedorismo difundido pelo SEBRAE, e apoiado pelo governo, baseia-se em uma ideia de meritocracia, fazendo exaltação excessiva de valores como autonomia, inovação e liberdade; defendendo a aprendizagem das habilidades requeridas; posicionando os indivíduos como responsáveis por suas carreiras e sucesso, silenciando e naturalizando aspectos negativos do empreendedorismo. Conclui-se que há um deslocamento da resolução de problemas públicos como o desemprego, por parte de órgãos institucionais, em especial do governo, para o indivíduo, que se torna responsável por seu emprego, geração de renda e manutenção da economia. O SEBRAE atua como parceiro estratégico no fomento a este tipo de iniciativa e seu discurso, que extrapola o cunho técnico e gerencial e atinge o tecido social, assume caráter ideológico ao naturalizar o autoemprego como resposta ao desemprego, fortalece a filosofia do ideal empreendedor e também dos pressupostos neoliberais. |