Resumo |
O livro Quarto de Despejo: diário de uma favelada foi escrito por Carolina Maria de Jesus, nas décadas de 50 e 60, após esta se mudar para a favela do Canindé em São Paulo. Nessa época, a “autora”, como catadora de papel, começou a relatar, em papéis encontrados nas ruas e nos lixos – que posteriormente foram selecionados e organizados em forma de livro – o seu cotidiano na favela e a sua luta contra a fome e a pobreza. Na obra de Carolina, apesar de apresentar o mesmo nome próprio nas instâncias de narradora, autora e personagem, ou seja, de Carolina contar a sua própria história, o seu modo de dizer e a sua forma de se expressar geram uma imagem criada discursivamente, ou seja, um ethos que parece não corresponder a identidade social aferida a Carolina Maria de Jesus. Com efeito, este projeto desenvolve uma análise de Quarto de Despejo que busca extrapolar os limites de uma análise dos elementos estéticos da obra, atentando-se, desse modo, para questões referentes às representações sociodiscursivas dos favelados. Nesse sentido, este projeto tem por objetivo analisar a construção do ethos em Quarto de Despejo a partir dos pressupostos teórico-metodológicos da Análise do Discurso (mais especificamente, da Teoria Semiolinguística de Patrick Charaudeau). A metodologia do presente projeto consiste em, inicialmente, uma revisão bibliográfica, para a aplicação, no corpus, das teorias estudadas e, posteriormente, será realizada a construção progressiva do artigo com os resultados obtidos com a pesquisa. Com o projeto ainda em andamento, realizou-se um recorte do corpus, em que nos apoiaremos, para a análise deste, nos postulados teóricos de Charaudeau (2016) sobre os modos de organização do discurso. Consideramos que o modo narrativo é o predominante no corpus em estudo, compreendendo a obra de Carolina como pertencente ao gênero narrativa de vida. Também levou-se em conta nas análises os modos enunciativo, descritivo e argumentativo, investigando como a elocução, a descrição e a argumentação presentes no discurso do sujeito que narra auxiliam na construção da sua imagem, a partir de como este sujeito se define face ao outro e constrói uma representação de si mesmo. Desse modo, observamos que a narrativa se compõe, com predominância, pelo comportamento elocutivo, com a presença de opiniões da narradora, e também por meio de uma descrição subjetiva deste sujeito enunciador com relação às experiências que conta e aos sujeitos que descreve. Ao fazer isso, levantou-se a hipótese de que a narradora busca se diferenciar dos demais moradores da favela e da imagem que ela cria sobre os favelados, produzindo, assim, uma representação de si que diverge do que a crítica apresenta. Posto isso, ainda não há conclusões finais para apresentar, visto que o projeto, em um todo, apresenta uma análise mais ampla, incluindo outras categorias de análise, para futuras considerações finais. |