Resumo |
A escritora paulista Ruth Guimarães publicou seu primeiro romance, Água funda (1946), no mesmo ano em que o escritor mineiro João Guimarães Rosa publicou seu primeiro livro de contos, Sagarana (1946). As duas obras figuram personagens ambientadas no espaço rural e, na linguagem, a oralidade é um traço marcante. Isso não implica dizer que os escritores retrataram uma dada realidade, porém, o texto literário, embora fictício, não deixa de emitir um valor sobre o mundo real e sobre as vivências daquele que o produziu. Nesse sentido, destacam-se os inúmeros trabalhos sobre a obra de Guimarães Rosa envolvendo a comparação entre literatura e outros campos de conhecimento. A obra de Ruth Guimarães, por outro lado, ainda é pouco conhecida do público leitor. O presente trabalho propõe realizar uma análise do romance Água Funda (1946), de Ruth Guimarães, visando discutir traços de memórias individuais e coletivas ao longo da prosa, o que leva à pesquisa bibliográfica em textos sobre a teoria da narrativa moderna, o contexto de produção da narrativa, a trajetória artística da escritora, a recepção da obra e a história social. A respeito de Água Funda, Érico Veríssimo (1946) escreveu que há muito não lia “prosa brasileira tão rica de contatos com a terra e com a vida, tão fresca, tão natural e tão gostosa”. Essa “naturalidade” é resultado do trabalho artístico, ou seja, é fabricada. Chama-nos atenção a estrutura da narrativa, que não atende a uma lógica causal, presente, geralmente, em narrativas tradicionais, e uma perspectiva problematizante sobre a vida das personagens do campo, seus costumes, suas alegrias e tristezas. A partir de estudos de Seligmann-Silva (2008, p.70), para quem “o trauma encontra na imaginação um meio para a sua narração” e “a literatura é chamada diante do trauma para prestar-lhe serviço”, propomos que a obra Água Funda (1946) pretas serviço ao caipira, que muitas vezes ficou relegado a uma história irônica ou humorística, com pouco aprofundamento sobre sua identidade. |