Resumo |
Consubstanciando a construção de uma história baseada na expansão de novas perspectivas ante enredos de omissão e silenciamento, este trabalho consolida-se na intenção de contribuir para uma nova maneira de contar a história. Ainda mais quando, a partir do enfoque conferido a documentos escritos por pessoas prestigiadas socialmente, ela omite, pelo apagamento da indispensável relação história-memória, a versão dos fatos narrados por personagens que não descrevem suas lutas apenas por intermédio de palavras escritas. Ainda assim, esperava-se que as crônicas dos acontecimentos envoltos na Revolução Haitiana fossem contadas pelos negros de São Domingos e, como em tantas outras revoluções, fossem vistas permeadas por atos heroicos. Contudo, se a história costumara ser gentil para com os que obtiveram a glória da vitória, a cronografia dos escravizados insurgentes do Haiti entra em um estranho caso de supressão. Por que Thomas Jefferson é, indiscutivelmente, um dos “pais fundadores” da nação americana e Jacques Dessalines é, para muitos, uma liderança perigosa e sanguinolenta? Ademais, como a mais rica colônia francesa veio a se tornar o mais pobre país do Ocidente? Essas questões foram analisadas neste trabalho, uma das três frentes de estudo de um projeto de pesquisa, em parte, financiado pelo CNPq. Ao longo do primeiro semestre, focado na leitura e debate de artigos referentes ao tema, surgiu a reflexão – impulsionada pela agenda racial do século XXI – sobre o aspecto étnico-racial presente no evento e em suas reverberações. Posteriormente, foi o momento de escavar, em bibliotecas online ao redor do mundo, arquivos primários escritos no Haiti ou sobre o Haiti, de forma a possibilitar essa análise étnica do movimento. A atenção se voltou, então, para a leitura dessas fontes – cartas, relatórios, discursos políticos e periódicos da época. As informações adquiridas revelaram que o grandioso feito em São Domingos foi gradualmente apagado, ficando às margens da história tradicional, fato que dificulta, ainda hoje, que a história seja reescrita – como muito se tem feito na Nova História – na visão das pessoas que deram a vida pela liberdade. A forma como a história foi contada à época resultou no medo dos colonos de que revoluções como aquela eclodissem ao redor do Atlântico – o conhecido haitianismo – que afetaria também as relações internacionais, manifestando-se na esfera econômica principalmente pelos embargos impostos à nova nação negra, o que evidenciou a resistência política presa à luta por igualdade racial. Assim, conclui-se que, embora os haitianos tenham vencido a batalha em seu país, permaneciam, enquanto homens pretos, subjugados ao eurocentrismo branco, sem o poder de contar a própria história. A compreensão da Revolução se mostrou uma ferramenta essencial para uma análise da questão racial na América Latina, que para além de se fundamentar no escravismo, se intensifica com o medo dos brancos diante da força do povo negro evidente no Haiti. |