Resumo |
O shunt ou desvio portossistêmico (DPS) caracteriza-se por comunicação vascular anômala entre a circulação portal e a sistêmica, onde substâncias tóxicas provenientes dos demais órgãos são enviadas para a circulação sistêmica, sem depuração hepática, levando a encefalopatia hepática. Objetiva-se relatar o caso de um cão, de 5 meses, 1,5 kg, da raça Yorkshire, atendido no Hospital Veterinário da UFV. Entre as queixas, destacavam-se: prostração, ataxia e desconforto abdominal. Exames laboratoriais apresentaram anemia microcítica normocrômica, anisocitose e microcitose moderadas, leucocitose, neutrofilia, hipoproteinemia, hipoalbuminemia, hipobilirrubinemia e hipocolesterolemia. Ao exame ultrassonográfico abdominal observou-se microhepatia e na análise vascular, turbulência e portalização da veia cava. A tomografia abdominal revelou a presença de vaso anômalo extra-hepático tortuoso único, comunicando o sistema portal à veia cava caudal pré-hepática, confirmando o diagnóstico de DPS extra-hepático. O paciente foi estabilizado e encaminhado para tratamento cirúrgico. A função hepática reduzida e o fluxo sanguíneo hepático anormal tornam a absorção, metabolismo e depuração dos fármacos marcadamente reduzidos, trazendo desafios para a anestesia. Considerando esses fatores e local de acesso cirúrgico, foi realizado bloqueio do plano transverso abdominal bilateral em 4 pontos, com bupivacaína (0,2 ml/kg/ponto de bloqueio). A indução anestésica foi realizada com propofol (6,0 mg/kg/IV), e a manutenção com isofluorano e sufentanil (1,0 μg/kg/min). A única intercorrência observada foi a hipotensão arterial, que foi corrigida com a administração de noradrenalina (0,1 μg/kg/min), uma vez que a prova de carga e bolus de atropina (dois de 0,022 mg/kg/IV) foram ineficazes. Outra medida foi reduzir o sufentanil (0,5 μg/kg/min), por influenciar diretamente na FC e depender de metabolização hepática. A ausência da resposta à atropina pode ser atribuída à quantidade limitada de tecido miocárdico contrátil e controle vasomotor precário, característico de filhotes. No pós-operatório, utilizou-se metadona (0,2 mg/kg/SC) e dipirona (25 mg/kg/IV) para analgesia. O bloqueio locorregional utilizado foi benéfico por reduzir o requerimento de fármacos anestésicos e, consequentemente, promover menor sobrecarga hepática e sistêmica, esta última por vasodilatação dose-dependente. Entretanto, sugere-se substituir o sufentanil pelo remifentanil, por se tratar de um opioide de ultracurta duração que possui metabolização extra-hepática. |