Resumo |
O reconhecimento de pessoas, por ser uma prova dependente da memória, é passível de falhas. A memória humana não pode ser equiparada a uma máquina filmadora, uma vez que pode sofrer influências tanto internas, quanto externas que, mesmo despropositadamente, modificam as lembranças armazenadas por um indivíduo. Dessa forma, é necessário que as provas dependentes da memória, entre elas o reconhecimento de pessoas, se valham de regras processuais que respaldem e valorem, de acordo com suas especificidades, a “memória-fato”. Além disso, diante desse risco de criação de falsas memórias, é necessário que o reconhecimento de pessoas seja corroborado com outro meio probatório, a fim de se evitar reconhecimentos equivocados e condenações injustas. Diante do entendimento supracitado, o presente trabalho buscou analisar, por meio de revisão bibliográfica e pesquisa documental, o instituto do reconhecimento de pessoas no contexto brasileiro e compreender qual o posicionamento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema. Como resultado, verificou-se que além das limitações e defasagens normativas no artigo 226, do Código de Processo Penal - CPP, que dispõe sobre o reconhecimento de pessoas, a previsão legislativa não é seguida pelos atores do sistema de justiça, sendo inúmeros os casos criminais julgados no Brasil sem a observância dos procedimentos previstos no CPP e baseadas unicamente no reconhecimento de pessoas. Tal afirmação pode ser demonstrada pela própria jurisprudência dos Tribunais Superiores que pacificou o entendimento de que a não observância do procedimento descrito no artigo 226 não invalidaria o ato de reconhecimento, uma vez que era considerada mera sugestão do legislador. No âmbito doutrinário, o entendimento majoritário consolidou-se em concordância com o viés jurisprudencial. Apesar disso, há que se destacar o julgamento, em outubro de 2020, pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça - STJ, do Habeas Corpus nº598.886/SC que, por unanimidade, absolveu o réu, declarando nulo o reconhecimento de pessoas realizado sem observância dos procedimentos descritos no art. 226 do CPP, estabelecendo novas diretrizes para o procedimento de reconhecimento de pessoas no Processo Penal brasileiro. Já em 2021, a Quinta Turma do STJ, adotou o mesmo entendimento, o que representa, ainda que tímida, uma substantiva mudança no âmbito jurisprudencial sobre o tema, apesar de o entendimento majoritário ainda ser o de considerar o referido artigo 226 mera sugestão legislativa. Por meio do presente trabalho, pode-se inferir que, apesar de o posicionamento de grande parte dos agentes e órgãos jurídicos brasileiros ainda estar inserido em um contexto inquisitório, tem-se percebido, no âmbito jurisprudencial, doutrinário e acadêmico, uma mudança de entendimento, o que fortalece o processo penal acusatório e acaba por diminuir a incidência de falsos reconhecimentos e, por consequência, condenações injustas. |