Resumo |
No Brasil, a pandemia do novo coronavírus se materializou em uma crise de saúde e uma crise política, na qual as mulheres foram extremamente afetadas em diversas frentes, como a partir do aumento da violência doméstica e da sobrecarga de trabalho. Assim, essa pesquisa objetivou compreender como questões de gênero foram discursivizadas no contexto da pandemia, tanto pelo governo, quanto pela mídia, notadamentente jornalística. Para desenvolver esses dois eixos realizamos uma análise discursiva, de orientação semiolinguística, da cartilha Mulheres na covid-19 construída pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), do Governo Federal do Brasil, no ano de 2020, articulada a discussões sobre identidade e discurso organizacional, gênero e feminilidade. Além disso, identificamos e analisamos quais temáticas e enquadramentos surgiram em 16 notícias, ao pesquisarmos as palavras-chave “mulheres” e “pandemia” no Google Notícias. Partimos de uma reflexão conceitual sobre noticiabilidade e valores notícia, entendendo o que pode ou deve ser noticiado durante uma pandemia midiatizada. Acrescentamos em nosso aporte teórico, uma discussão sobre gênero, notadamente sobre questões de trabalho e violência. A partir das análises foi possível compreender que tanto a violência contra mulher, quanto o trabalho são problemáticas recorrentes e reconhecidas pelo Governo e por meios diversos de comunicação. Porém, a forma como essas temáticas são abordadas, enquadradas e visibilizadas difere dentro dos veículos midiáticos e em relação ao discurso governamental. Assim, a partir da análise discursiva da cartilha criada pelo MMFDH identificamos a construção da identidade do governo de detentor e simplificador das informações. Além disso, observamos a elaboração de imaginários que tendem a reforçar um ideal de feminilidade específico e a naturalizar relações de violência, ao silenciar essa discussão. Já a partir da análise do conteúdo jornalístico, percebemos uma variedade de enquadramentos vindos de veículos midiáticos diversos, nos quais a pandemia se apresenta como o principal fator de aumento ou como um agravante das desigualdades já existentes. A violência é algumas vezes silenciada, mas, em outras situações, acionada como grande problemática que envolve a sociedade. O trabalho, dividido, para fins de análise, em remunerado e não remunerado, é neste primeiro caso um local de instabilidade, informalidade e grande desigualdade para as mulheres; já o segundo é percebido como função naturalizada da mulher. Percebemos ainda a prevalência dos valores-notícia de impacto e tragédia/drama, relacionados ao trabalho e à violência, respectivamente. Por fim, percebemos ao relacionar os dois eixos a existência de um processo de mão dupla, característico da midiatização, no qual a mídia influencia a sociedade, elaborando formas de pensar e agir, ao mesmo tempo em que as questões que aparecem na sociedade agenciam e viram pautas para serem noticiadas na mídia. |