Resumo |
As narrativas se fazem muito presentes em nossas vidas, inclusive aquelas que se dedicam a narrar as próprias vidas. Na contemporaneidade, esses relatos podem se dar por vários gêneros que caracterizam-se, mesmo que momentaneamente, pela tematização do eu e de experiências vividas, constituindo o que Leonor Arfuch denominou de espaço biográfico, o qual, segundo Procópio-Xavier, surge atrelado ao contexto de midiatização e inclui as recentes modalidades biográficas. Como exemplo, podemos citar as videografias de si encontradas no YouTube, que, para Bruno Costa, correspondem a registros pessoais em vídeo caracterizados pela tendência confessional diante da câmera e pelo desejo de exposição na internet, um espaço simultaneamente público e privado. É o caso do HDiário, um canal produzido por Gabriel Comicholi, que utiliza a plataforma para contar o seu cotidiano convivendo com HIV, desde a descoberta da infecção até o tratamento, exames, consultas médicas e relacionamentos. Percebemos, então, o que Richard Miskolci chamou de saída do segundo armário ao se referir à revelação da identidade soropositiva, estigmatizada principalmente com relação aos homossexuais. Concordando com Marcelo Bessa, para quem a AIDS é uma epidemia discursiva, consideramos que os discursos sobre a doença e o vírus refletem, desde o seu surgimento, nas representações sociais sobre os soropositivos. Como discorre Lysardo-Dias, esses imaginários, compartilhados e cristalizados socialmente, constroem uma identidade coletiva ao operar na categorização que os indivíduos fazem de si e do seu grupo, assim como na imagem que os outros projetam sobre eles. A partir disso, analisamos a construção discursiva das videografias de si do canal HDiário, procurando identificar quais e como os imaginários relacionados à soropositividade são mobilizados pelas narrativas de vida de Gabriel Comicholi e investigar se reforçam ou rompem determinados estereótipos. Para realizar essa pesquisa, de caráter qualitativo e com finalidade analítico-descritiva, propomos como referencial a Análise do Discurso, que considera a relação entre mundo, enquanto realidade, e linguagem, enquanto produção social de forma e sentido. Especificadamente, elencamos uma de suas vertentes, a Teoria Semiolinguística, de Patrick Charaudeau, que fornece construtos e categorias analíticas, podendo ser utilizada como referência teórica e metodológica. Dedicamo-nos, primeiramente, à bibliografia sobre temas pertinentes ao projeto e, no segundo momento, assistimos a todas as produções do canal para a definição do corpus, selecionando 10 vídeos, que foram então decupados com a transcrição de seus estratos icônicos e verbais, de modo a evidenciar marcas explícitas e/ou implícitas de suas características estruturais e discursivas. Para esta comunicação, apresentaremos as análises preliminares de dois vídeos, a partir das quais serão elaboradas considerações relativas ao material obtido, com posteriores contribuições para a dissertação. |