Resumo |
A partir da consolidação do modo de produção capitalista, na transição do século XIX para o XX, a industrialização passou a caracterizar a sociedade moderna e a ser o seu principal fator de transformação, como destaca Lefebvre 2001). Consequentemente, houve a necessidade de redimensionar o perfil de cidade, o que refletiu em diversos aspectos do cotidiano de seus habitantes, principalmente no que tange às questões do universo do trabalho. Nesse contexto, como constata Gorz (2007), o trabalho, na perspectiva econômica, tornou-se o “cerne de nossa existência, individual e social”, formando, assim, uma “sociedade de trabalhadores”. Apesar da diversidade e da ampliação de abordagens da literatura contemporânea, como afirma Dalcastagnè (2012), o campo brasileiro ainda é extremamente homogêneo, com a predominância de escritores homens, brancos, escolarizados e de classe média, bem como de suas personagens que compartilham do mesmo perfil. Ou seja, são perspectivas escassas que não representam a pluralidade de nossa sociedade. Luiz Ruffato é um contraexemplo pela legitimidade de seu lugar de fala ao representar em O mundo inimigo (2005) a formação de uma “sociedade de trabalhadores” na cidade de Cataguases, em Minas Gerais, espaço ficcional da narrativa e cidade natal do escritor, entre as décadas de 1960 e 1970. De família humilde, o escritor perpassou por inúmeras experiências profissionais, ainda em Cataguases, dentre elas pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico e gerente de lanchonete. Sua trajetória pessoal pode justificar a sensibilidade e a diversidade de seu romance: “Conheço bem a realidade de humilhação, dificuldades financeiras e sonhos da classe operária”, afirma o escritor em entrevistas. Com base nessas breves constatações, a presente pesquisa busca analisar a construção das personagens a partir das relações de trabalho e das transformações da cidade de Cataguases, buscando, dessa forma, refletir sobre as possibilidades de diálogos entre literatura e sociedade em O mundo inimigo. Orientando-se teoricamente através das temáticas do trabalho e da cidade e das particularidades do romance contemporâneo, investigamos a construção de um narrador em terceira pessoa que apresenta, em doze histórias-capítulos, seus diversos personagens dando-lhes voz na narrativa. A metodologia empregada baseou-se na análise crítica interpretativa do texto literário a partir de pesquisa bibliográfica em textos de áreas diversas do conhecimento. Dessa forma, Ruffato apresenta um painel da sociedade contemporânea em que suas personagens, cotidianamente, transitam do trabalho ao lar e lutam para sobreviver em um cenário de “urbanização desurbanizante e desurbanizada”, para utilizar a expressão de Lefebvre. |