Resumo |
A expressividade do consumo na sociedade contemporânea, predominantemente orientado pela moda, e marcado por um intenso desejo pela novidade, configura uma lógica de descartabilidade dos bens e transitoriedade na vida das pessoas. Na contramão dessa lógica, o consumo de bens usados, apesar de não ser um fenômeno novo, tem superado estigmas histórico-culturais e ganhado popularidade nos últimos anos. Nesse contexto, a afiliação ao movimento slow fashion e o apelo sustentável nos discursos de promoção dos brechós, sugerem que esse consumo consiste numa prática de engajamento, alicerçada na preocupação ambiental e contraposição ao fast fashion. Diante disso, buscou-se analisar os processos de agência e investimento político e ideológico, inerentes aos discursos atinentes ao consumo de vestuário em brechós. Para tanto, foram escolhidos como material de análise, uma reportagem do portal Tudo BH e as descrições institucionais da loja virtual Brechó Online. Os dados foram analisados a partir de uma proposta transdisciplinar que articula o método de análise de discurso crítica (ADC), na vertente de Fairclough (2001), e as contribuições teóricas sobre a moda como campo de disputas (BERGAMO, 1998; BOURDIEU, 2002), a constituição mútua entre indivíduo e objetos (BELK, 1988; MILLER, 2013), o consumo em brechós (RICARDO, 2008; PALMER; CLARK, 2004; FRANKLIN, 2011), e as discussões sobre estigma e identidades sociais (GOFFMAN, 1988). Os resultados apontam o esforço tanto da mídia quanto da loja virtual no sentido de amenizar a condição estigmatizante inerente aos brechós, a partir de uma reconstrução conceitual dos brechós, com ênfase no estilo, na constituição da individualidade a partir de um visual autêntico, e no engajamento com a lógica do slow fashion e da sustentabilidade. Nos discursos emergem, além da negação da indissociação dos brechós com as classes mais pobres, a indicação da necessidade de competência cultural e gosto refinado, para fazer desse consumo uma forma de expressão do gosto e estilo de vida. Contudo, observou-se que a ética do ambientalismo é na verdade, secundária. A ênfase na individualidade, a proeminência do capital cultural como meio de afirmação e aquisição de prestígio, fazem com que o estilo e a estética sejam privilegiados, o que sugere uma aproximação com a moda e não uma polarização entre os dois, ou uma simples contradição. A negação de traços histórico-culturais faz parte da proposta de reconstrução da imagem dos brechós, porém, o viés de classe embutido em tal manifestação faz da problematização dos brechós nestes textos um evento discursivo incompleto e ambíguo, principalmente por conta das vozes que aparecem de consumidoras proprietárias e aquelas que não estão presentes, de consumidoras típicas. Pois, as estratégias discursivas demonstram que o que está em jogo é a promoção de prestígio para atores específicos, no qual a simples novidade não concede o mesmo poder de influência como tradicionalmente. |