Resumo |
Este trabalho visa compreender a complexa relação entre Literatura e História na obra Ensaio sobre a Lucidez, do escritor português José Saramago. Para realizar esta pesquisa partimos de duas declarações do próprio autor no Jornal de Letras, Artes & Ideias, a primeira de que “o historiador é um selecionador” e a segunda de que “a tarefa do romancista é a de substituir o que foi pelo que poderia ter sido”. Traçamos a partir destas afirmações um percurso histórico sobre o processo através do qual as duas áreas se aceitaram como mutuamente complementares e compreenderam que ambas consistem em “sistemas de significação através dos quais damos sentidos ao passado” (HUTCHEON, 1991, p.122). Para este percurso, nos valemos dos estudos de Roani (2010) e Reis (2012) que retratam os momentos através dos quais a História e a Literatura passaram até se entenderem como narrativas; os de Marinho (2008) que expõem o momento no qual a Literatura percebeu que poderia valer-se da História para trazer à tona o que poderia ter acontecido e os de Carr (2002) que tratam do caráter selecionador do historiador. Em seguida, entramos no campo da representação do real, buscando compreender como Saramago, em Ensaio sobre a Lucidez (2004), joga com as coordenadas do tempo e do espaço para construir uma História metamorfoseada que representa ao mesmo tempo diversos fatos históricos, uma vez que sua proposta, neste segundo ciclo de obras, é construir uma literatura universalizante. Assim, a História adquire um caráter menos palpável, uma vez que não se apresenta sob a forma de eventos históricos datados, fornecendo ao seu mundo fictício a capacidade de moldar-se a diversos mundos reais. Nestas construções, Saramago brinca com as representações, ampliando as possibilidades de identificação e exigindo maior participação do leitor em sua obra. Para essa análise, nos baseamos em diversos autores como Huyssen (2000), Magalhães (2002) e Hutcheon (1991) para tratarmos da representação do sujeito pós-moderno e do mundo globalizado; Burke (2000) no que tange à amnésia social; Ginzburg (2007) auxiliando-nos na temática de que os fatos históricos estão fadados a se repetirem e Arendt (1989) fornecendo base para entendermos a presença de atitudes totalitárias na cidade fictícia. |