Resumo |
O aborto – usualmente conceituado como a interrupção da gestação antes de ser possível ao concepto manter-se vivo no ambiente extrauterino – gera importantes debates, os quais podem ser recuperados em díspares manifestações artísticas, com destaque para o cinema. Com efeito, o objetivo da presente comunicação é apresentar, à comunidade acadêmica, aspectos das conversações legais e bioéticas sobre o aborto, mediadas pelos filmes O segredo de Vera Drake (Mike Leigh, 2004), Porto (Ingmar Bergman, 1948) e Regras da vida (Lasse Hallström, 1999). O abortamento é crime previsto pelo Código Penal (CP) brasileiro – artigos 124, 125 e 126 –, com penalidades para a mulher e para o médico que o praticam. No entanto, de acordo com os incisos I e II do art. 128 do CP, não é crime e não se pune o aborto praticado por médico, quando não há outro meio de salvar a vida da gestante ou quando a gravidez resulta de estupro. O aborto deve ser precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal aprovou que a mulher pode optar pela antecipação do parto em casos de gravidez de feto anencéfalo, de modo que, nesses casos, não haveria o crime de aborto tipificado no CP. A despeito dessas garantias legais, recentemente, o Projeto de Lei nº 478/2007, conhecido como o Estatuto do Nascituro, prevê que a gestação não poderá ser interrompida em casos de estupro e, além disso, que a mulher terá 'direito' ao pagamento de um benefício: "Art. 13. O nascituro concebido em um ato de violência sexual não sofrerá qualquer discriminação ou restrição de direitos, assegurando-lhe, ainda, os seguintes: I – direito prioritário à assistência pré-natal, com acompanhamento psicológico da gestante; II – direito a pensão alimentícia equivalente a 1 (um) salário mínimo, até que complete dezoito anos; III – direito prioritário à adoção, caso a mãe não queira assumir a criança após o nascimento. Parágrafo único. Se for identificado o genitor, será ele o responsável pela pensão alimentícia a que se refere o inciso II deste artigo; se não for identificado, ou se for insolvente, a obrigação recairá sobre o Estado" (Projeto de Lei nº 478/2007). Fica evidente que tal 'estatuto' impõe novas modalidades de violência para a mulher – a vítima –, na medida em que restringe sua possibilidade de escolha e a obriga a criar vínculos com o agressor. As discussões sobre esses aspectos - e outros elementos do debate bioético e legal sobre o aborto - podem ser recuperados a partir dos três filmes: (1) a visão do médico em Regras da Vida; (2) a percepção de uma pessoa não médica em O Segredo de Vera Drake; e (3) o ponto de vista da mulher em o Porto. As películas destacadas são capazes de auxiliar nos debates legais e bioéticos sobre o aborto, habitualmente polarizadas em termos do Princípio da Sacralidade da Vida e do Princípio da Autonomia, por proporcionarem - ao espectador - acesso a diferentes pontos de vista. |