| Resumo |
A desigualdade no acesso à cultura científica representa um dos principais desafios da educação brasileira, especialmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Pesquisas como o Projeto ASPIRES, coordenado por Louise Archer e colaboradores (ARCHER et al., 2015), demonstram que o engajamento de crianças com a ciência está profundamente relacionado ao seu capital científico: um conjunto de saberes, experiências, atitudes e vínculos sociais que moldam a forma como os sujeitos se reconhecem (ou não) como pertencentes ao universo da ciência. Derivado da teoria dos capitais de Pierre Bourdieu (1983), esse conceito revela como a distribuição desigual de recursos culturais e simbólicos influencia a construção de trajetórias escolares e científicas, reforçando barreiras sociais historicamente estabelecidas. No contexto brasileiro, autores como Danilo Moris (MORIS, 2022) defendem a necessidade de interpretar esse conceito de maneira crítica e situada, atentando para os efeitos das desigualdades estruturais e das relações de poder na produção e no acesso ao conhecimento científico. Frente a esse cenário, o projeto Universidade das Crianças da Universidade Federal de Viçosa (UC UFV) constitui uma proposta concreta de enfrentamento dessas desigualdades. Com uma metodologia inspirada na pedagogia freireana (FREIRE, 1996), fundamentada na escuta ativa, no diálogo e na valorização do protagonismo infantil, o projeto desenvolve oficinas temáticas a partir das perguntas das próprias crianças, promovendo atividades que aproximam a linguagem científica do cotidiano escolar. Além disso, por meio de visitas a museus, laboratórios e áreas de pesquisa da UFV, a iniciativa promove a reapropriação simbólica dos espaços universitários por estudantes da escola pública, ampliando seus horizontes de pertencimento e engajamento com o mundo da ciência. A produção de vídeos, podcasts e materiais para redes sociais, com base nos princípios da educomunicação (SOARES, 2011), contribui para que as crianças também sejam reconhecidas como produtoras de conhecimento, participando da divulgação científica de forma criativa e acessível. Simultaneamente, o projeto constitui um espaço formativo para professores da educação básica e licenciandos, convocando-os a assumir uma prática crítica e socialmente engajada. Nessa perspectiva, o professor é compreendido como um intelectual orgânico, conforme proposto por Antonio Gramsci (1979), ou seja, um sujeito comprometido com os processos de transformação social, capaz de mediar o diálogo entre os saberes científicos e as realidades vividas por seus alunos. Ao integrar práticas lúdicas, investigativas, comunicativas e políticas, a UC UFV promove a ampliação do capital científico de crianças historicamente marginalizadas, contribui para a formação crítica de professores e reafirma o papel da universidade pública como espaço de produção de saberes democráticos, plurais e acessíveis. |