| Resumo |
A febre maculosa brasileira é uma doença infecciosa, febril aguda e potencialmente fatal, cuja gravidade pode variar de quadros leves a formas severas com risco de óbito. É causada pela bactéria Rickettsia rickettsii e transmitida principalmente por carrapatos do gênero Amblyomma, amplamente distribuídos em áreas rurais e periurbanas. Embora a doença permaneça endêmica em Minas Gerais, os impactos de grandes alterações ambientais sobre seu ciclo de transmissão ainda são pouco compreendidos no contexto da dinâmica ecológica e epidemiológica da doença. Entre janeiro e outubro de 2024, foi investigada a influência do rompimento da barragem do Fundão, ocorrido no município de Mariana em 2015, na ecoepidemiologia da febre maculosa na cidade vizinha Santa Cruz do Escalvado, região possivelmente afetada de forma indireta pelos impactos ambientais e sociais causados pelo desastre. Para o estudo, foram analisados 97 mamíferos (51 cães, 22 gambás, 23 equídeos e 1 capivara) por imunofluorescência indireta, e 1.123 carrapatos coletados em campo foram submetidos à análise por PCR em tempo real e sequenciamento Nanopore para detecção e caracterização de espécies do gênero Rickettsia. Anticorpos contra R. rickettsii foram identificados em 16 animais (16,5%; IC 95%: 9,9–25,4), com prevalência significativamente maior em cães (27,5%; OR = 8,3; p = 0,002) do que nos demais hospedeiros (4,3%). Entre os carrapatos analisados, 1,4% (16/1.123; IC 95%: 0,9–2,3) foram positivos, todos com sequências compatíveis com R. bellii ou com linhagens filogeneticamente próximas a R. tamurae e R. monacensis, sem detecção de R. rickettsii. A discrepância entre a alta soroprevalência canina e a ausência do agente nos vetores sugere transmissão focal não captada pela amostragem ou exposição prévia dos animais à bactéria. A presença abundante de Amblyomma sculptum em áreas periurbanas, aliada à soropositividade elevada em cães sentinelas, aponta para um cenário propício à reemergência da doença. Recomenda-se, portanto, o monitoramento contínuo de cães e a vigilância molecular de ninfas em micro-habitats antrópicos como estratégia preventiva essencial para a minimização e controle de surtos futuros, contribuindo para a redução do risco de transmissão e para a proteção da saúde pública nas áreas afetadas. |