| Resumo |
A produção de cartilhas voltadas à população Trans/Travesti revela muito mais do que simples iniciativas de comunicação: trata-se de dispositivos que operam em uma zona de tensão entre as ausências do Estado e as potências da mobilização social. Este trabalho parte da premissa de que, em contextos de exclusão histórica, as cartilhas podem assumir papel político ativo ao dar visibilidade, garantir informação e promover cidadania para sujeitos sistematicamente marginalizados. A análise das cartilhas evidencia como essas produções disputam discursos, confrontam estigmas e demandam políticas públicas mais amplas. O estudo teve como propósito compreender como determinadas cartilhas, produzidas por coletivos, ONGs ou com participação direta de pessoas Trans/Travestis, se tornam alternativas à insuficiência das políticas estatais. Buscou-se: evidenciar o apagamento institucional frente às demandas dessa população. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e documental, com análise de duas cartilhas produzidas fora da lógica biomédica hegemônica: “Você já me viu. Mas sabe quem sou?” (BEMFAM, 2005) e “Travesti e o Educador – Respeito também se aprende na escola” (Brasil, 2001). Ambas foram analisadas a partir da Análise de Conteúdo (Bardin, 2011) e da Análise da Imagem (Joly, 2012), considerando seus elementos discursivos, visuais e o modo como tensionam ou silenciam questões políticas, sociais e institucionais. A análise demonstrou que essas cartilhas não apenas informam, mas denunciam a negligência do Estado ao não garantir educação, saúde integral e respeito à identidade de pessoas Trans/Travestis. O material da BEMFAM, por exemplo, é explícito ao tratar do direito ao nome social, da violência policial, da exclusão escolar e da prostituição compulsória. Já a cartilha “Travesti e o Educador” opera como proposta pedagógica e política, ao instruir docentes sobre práticas de acolhimento em sala de aula, ainda que apoiada por uma estrutura institucional limitada. As cartilhas analisadas transcendem seu papel educativo e se firmam como instrumentos de denúncia e mobilização. Em uma sociedade onde o Estado falha em assegurar direitos básicos a pessoas Trans/Travestis, esses materiais se tornam ferramentas autônomas de reinvindicação de espaço, reconhecimento e dignidade. A pesquisa reafirma a urgência de políticas públicas que acolham essas produções e as transformem em ações concretas no campo da educação, saúde, cultura e direitos humanos. |