| Resumo |
Esta pesquisa parte do interesse em compreender desafios, possibilidades, impossibilidades e recriações no processo tradutório quando se trata de textos literários nos quais os itens lexicais da linguagem figurada (alegoria, símbolo, metáfora) se mostram relevantes para o nível discursivo e interpretativo. Nesse sentido, a tradução do conto "L’Inutile beauté", do escritor francês Guy de Maupassant — publicado em 1890 e traduzido para o português por Joaquim Novais Teixeira em 1956 — oferece dados pertinentes para a análise do modo pelo qual elementos alegóricos foram transpostos de uma língua/cultura para outra. A linguagem de Maupassant, influenciada pelo ideal do "mot juste" de Flaubert, é caracterizada por uma precisão vocabular que opera não somente na criação do estilo, mas de toda uma estrutura discursiva portadora de sentidos figurados críticos pretendidos por meio de escolhas lexicais. Dessa forma, partindo da análise de um excerto presente no segundo capítulo da obra, observa-se o item "rougie", cuja tradução comprometeu o potencial alegórico e a construção imagética da cena, em virtude de uma escolha em língua portuguesa que acarretou perda significativa do valor alegórico e estilístico do original. Sendo assim, o objetivo desta pesquisa é investigar se a carga semântica da alegoria foi preservada, isto é, se a solução tradutória foi capaz de preservá-la, em maior ou menor grau. Busca-se, com isso, discutir a função da tradução não apenas enquanto processo de transposição linguística, mas um meio de preservação, em maior ou menor grau, do sentido profundo da obra. A metodologia adotada é qualitativa, bibliográfica e de caráter indutivo, permitindo uma análise interpretativa das estratégias tradutórias à luz dos contextos históricos, culturais e estéticos das línguas de partida e de chegada. Com base nos estudos de Walter Benjamin e Paulo Henriques Britto sobre a tradução literária, bem como nas reflexões de João Adolfo Hansen sobre a alegoria como recurso discursivo, a pesquisa busca discutir a necessidade de reconhecer essa figura de linguagem como aparato linguístico intencional do autor. Consequente, busca apontar a relevância de o tradutor ser um leitor atento a essa intencionalidade. O resultado parcial da análise do item "rougie", somado a resultados de análises pregressas relativas a outros dados, indicam que, muito embora a tradução de Novais Teixeira mantenha a estrutura geral e transmita o conteúdo da narrativa de forma funcional, há perdas significativas no nível semântico figurado, especialmente nas passagens em que metáforas e construções alegóricas ampliam a dimensão imagética do texto, o que compromete a eficácia interpretativa da obra na língua de chegada. Assim, defende-se que a tradução literária não é apenas passar palavras de uma língua/cultura para outra, mas construir uma ponte de sentido que permita ao leitor da língua de chegada acessar também as camadas críticas e estéticas do original. |