| Resumo |
O Brasil é marcado por desigualdades socioeconômicas e raciais que impactam o acesso da população negra ao ensino superior e à pós-graduação. Segundo o IBGE (2019), 56% das pessoas negras com 18 a 24 anos cursavam ou haviam concluído o ensino superior, frente a 79% das brancas de mesma idade. Na pós-graduação, dados do Painel de Fomento em Ciência, Tecnologia e Inovação do CNPq indicam que, entre 2020 e 2024, o percentual de bolsistas negros no doutorado passou de 28,1% para 34,2%. No mestrado, a presença foi de 32,0% para 36,8%, e na iniciação científica, de 37,4% para 36,9%. Ao verificar o perfil do corpo docente das universidades públicas brasileiras, encontramos 64,2% dos docentes sendo autodeclarados brancos, enquanto pretos, pardos e indígenas somam 29,8% (Inep, 2023). A sub-representação é ainda mais contundente entre bolsistas de produtividade do CNPq, grupo no qual pessoas negras correspondem a menos de 20%. A lei de cotas, nos textos das Leis nº 12.711/2012 e 14.723/2023, ampliou o acesso de pessoas negras à graduação, mas levanta dúvidas sobre sua eficácia na pós-graduação. Diante disso, este trabalho tem como objetivo avaliar os condicionantes de inserção de pessoas negras nos programas de pós-graduação stricto sensu da UFV. Entendemos que as desigualdades observadas podem não ser meramente circunstanciais, mas expressão de uma estrutura racializada com barreiras materiais e simbólicas à ascensão acadêmica da população negra. Assim, apresentamos como hipótese a possibilidade da baixa presença desse grupo na pós-graduação se dar pela falta de representação no corpo docente e/ou pelos baixos valores das bolsas, sobretudo entre aqueles que precisam contribuir com a renda familiar após a graduação. Realizamos uma pesquisa descritiva de abordagem quantitativa na qual coletamos 545 respostas de discentes e egressos de 42 cursos de graduação da UFV por meio de questionário estruturado. Os dados foram analisados por estatísticas descritivas e testes não paramétricos. Os resultados apontam que estudantes negros possuem menor número de familiares com ensino superior e menor renda durante a graduação, com maior necessidade de contribuir financeiramente com suas famílias. Além disso, discentes negros têm menor envolvimento em atividades de pesquisa e se sentem menos representados pelo perfil étnico-racial dos docentes da instituição. A análise de motivadores e desmotivadores indicou que, para estudantes negros, a possibilidade de auxiliar a família com a bolsa tem maior peso na decisão de iniciar o mestrado, enquanto a percepção de não pertencimento, associada à baixa representatividade racial no corpo docente, constitui um fator de desestímulo. Concluímos que, embora a lei de cotas represente um avanço, ela não é capaz de dirimir as desigualdades raciais no ingresso à pós-graduação da UFV, requerendo ações complementares que enfrentem os entraves materiais, simbólicos e institucionais que ainda limitam a trajetória acadêmica da população negra. |