| Resumo |
O presente trabalho parte dos dados obtidos a partir da produção de um Trabalho de Conclusão de Curso defendido no curso de Secretariado Executivo Trilíngue (SEC-UFV). O objeto de estudo foi um manual destinado a secretárias, comissários e modelos, publicado em 1998, e escrito por Laurinda da Silva Grion e Sebastião Paz. Trata-se de um texto instrucional voltado à orientação de profissionais quanto às normas de conduta no ambiente corporativo, abordando desde a realização de tarefas até aspectos comportamentais e temas sensíveis, como o assédio sexual. Convém ressaltar que a publicação do livro se deu em época anterior à tipificação do assédio sexual como crime no Brasil, o que ocorreu apenas no ano de 2001, com base na Lei 10.224/2001. O objetivo deste trabalho foi analisar a construção discursiva do assédio, as representações de gênero mobilizadas no texto e os imaginários sociais associados à secretária e às relações de gênero no ambiente de trabalho. Assim, pretendeu-se evidenciar como o discurso do manual, além de orientar comportamentos, também pode legitimar posicionamentos e naturalizar determinadas visões sobre assédio, gênero e relações de poder. Esse exercício analítico, portanto, tem potencial para instigar a reflexão crítica no tocante aos efeitos da linguagem no social. O trabalho está inserido no escopo da Análise do Discurso de vertente francesa. Mais propriamente, fizemos uso, como base teórica e metodológica (por ser a própria Análise do Discurso teoria e método de pesquisa), das contribuições fornecidas pela Teoria Semiolinguística de Patrick Charaudeau, proposta lançada ao mundo em meados da década de 1980. Assim, trouxemos para nossa análise os conceitos de situação de comunicação, sujeitos, modos de organização do discurso e imaginários. Como parte de nossos resultados, podemos apontar para uma frequência do comportamento alocutivo dentro do modo de organização enunciativo. Isso está de acordo com o gênero manual, por ser um gênero que busca instruir o interlocutor. No caso do capítulo abordado, as instruções se direcionam especialmente às secretárias e aos chefes, com relação aos comportamentos que devem ser adotados ou evitados no ambiente de trabalho. A análise evidenciou que as instruções sobre como evitar o assédio, muitas vezes, transferem a responsabilidade pela violência para a conduta das secretárias e estabelecem uma vigilância sobre seus corpos e suas ações. Já para os chefes, as orientações são de como flertar no ambiente de trabalho de forma que suas ações não sejam interpretadas como assédio sexual. Como conclusões, podemos apontar para uma tendência a reproduzir um apanhado de visões estigmatizantes sobre o assédio, o que, por sua vez, pode reproduzir desigualdades estruturais de gênero no ambiente corporativo. |