| Resumo |
O objetivo central deste estudo é analisar os discursos e as dinâmicas em torno da acusação de feitiçaria direcionada a mulheres no Brasil colonial, com foco em três personagens históricas: Maria Gonçalves Cajada, Maria Gonçalves Vieira e a índia Sabina. A escolha dessas figuras permite compreender não apenas os contornos jurídicos e religiosos das perseguições inquisitoriais, mas também os modos como mulheres de diferentes origens étnicas e sociais mobilizaram saberes mágicos e religiosos em seus cotidianos. Maria Gonçalves Cajada, também conhecida pelo apelido pejorativo de “Arde-lhe o Rabo”, foi uma mulher branca, cristã-velha e portuguesa, degredada para a Bahia na segunda metade do século XVI. Atuava como feiticeira mediante pagamento, sendo alvo de uma denúncia ao Santo Ofício que revela a ampla circulação e demanda por práticas mágicas mesmo entre a população dita cristã. Já Maria Gonçalves Vieira era uma mulher preta, forra, residente na freguesia de Casa Branca (atualmente Glaura, distrito de Ouro Preto/MG), na primeira metade do século XVIII. Conhecida como calunduzeira, realizava rituais coletivos e individuais de cura, adivinhação e proteção espiritual — práticas marcadas por cantos, danças e rezas, em um sincretismo que articulava elementos africanos e católicos. A índia Sabina, por sua vez, foi uma curandeira de grande notoriedade no Estado do Grão-Pará. Atuou durante aproximadamente vinte anos, sendo reconhecida por localizar feitiços enterrados e realizar procedimentos terapêuticos que envolviam defumações, rezas, sopros, uso de água-benta e a extração simbólica de “bichos” do corpo dos doentes. Mais do que apenas comparar suas práticas, esta pesquisa busca defender a hipótese de que a magia e a fé foram utilizadas por essas mulheres como ferramentas de resistência, proteção e mobilidade social. No entanto, tais estratégias, que ofereciam formas de agência diante das estruturas coloniais opressoras, também as colocaram na mira da repressão religiosa e jurídica, tornando-as alvo do Tribunal da Inquisição. Pretende-se, ainda, refletir sobre como os universos mágicos mobilizados por essas mulheres dialogam entre si, revelando tensões e convergências que contribuem para uma compreensão mais ampla da construção da feminilidade, da espiritualidade e da ordem social no mundo colonial luso-brasileiro. |