Resumo |
O desenvolvimento de tecnologias de identificação taxonômica aliado ao maior acesso a bancos de dados filogenéticos contribuíram para aumento do número de novas espécies biológicas descritas nas últimas décadas. Apesar disso, os vieses sociais que influenciam o desenvolvimento científico geram desigualdades no acesso e na produção acadêmicas, como por exemplo a desigualdade de gênero. Segundo dados globais da Unesco de 2018, dentre todas as estudantes mulheres do ensino superior apenas 30% são das áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharias e Matemáticas, se inserindo nesse grupo a taxonomia e sistemática biológicas. Dentre as várias etapas do processo de descrição de uma nova espécie, a nomenclatura se destaca como uma forma de contextualizar, destacar caracteres e homenagear pessoas e lugares. Quando a escolha de um nome taxonômico é feita em homenagem a alguma pessoa, geralmente se opta por alguma personalidade de importância para área de estudo, entretanto pessoas com laços afetivos com os descritores são também eventualmente homenageados. O objetivo deste trabalho foi analisar a etimologia dos epítetos específicos e genéricos das espécies de mamíferos brasileiros, a fim de mensurar temporalmente a proporção de homens e mulheres homenageados na descrição das espécies. Segundo a lista de espécies de mamíferos brasileiros da Sociedade Brasileira de Mastozoologia (versão de dezembro de 2021), no Brasil ocorrem 770 espécies nativas, inclusas em 246 gêneros. Desses, 180 epítetos têm sua origem etimológica em referência a pessoas, sendo que 162 (90%) referenciam homens e 18 (10%) referenciam mulheres. Numa categorização temporal, nota-se que: até o final do século XIX, todos os 42 (100%) epítetos criados foram em homenagem a homens; na primeira metade do século XX (1901-1950), 29 (80,56%) dos epítetos são masculinos enquanto 7 (19,44%) são femininos, totalizando 36 epítetos criados; na segunda metade do século XX (1951-2000), dos 57 epítetos criados, 50 (87,72%) são referenciados a homens, enquanto 7 (12,28%) a mulheres; a partir do século XXI (2001-2021) foram criados 45 epítetos, sendo 41 (91,12%) masculinos e 4 (8,88%) femininos. Dentre as personalidades homenageadas se destacam o naturalista francês do séc. XVIII Étienne Geoffroy Saint-Hilaire e Emilie Snethlage, ornitóloga alemã do séc. XIX, com quatro e seis espécies referenciados a cada um, respectivamente. Analisando os resultados é possível observar a grande discrepância entre o número de homens e de mulheres que foram homenageados na nomenclatura dos mamíferos brasileiros. Mesmo com o número de espécies descritas aumentando com o passar do tempo não foi possível observar alteração na proporção de mulheres que tiveram seus nomes relembrados durante a nomeação dos táxons analisados. Esses dados estão de acordo com o grande viés de gênero observado em relação a presença feminina no meio acadêmico, resultante dos preconceitos e imposições arbitrárias que esse grupo historicamente sofre. |