Resumo |
Na presente pesquisa, nosso esforço foi compreender fenômenos que ocorreram durante a pandemia da Covid-19 e revelaram modos pelos quais diferenças emergem na contemporaneidade e, no mesmo lance, o constitui. Assim, o objetivo geral foi investigar estéticas que desafiaram a presença de questões ligadas a diferenças às quais a pandemia fez emergir, com foco em contextos midiatizados. Nesse cenário, tomamos, como quadro empírico, a midiatização do caso da criança de dez anos, moradora de São Mateus, no Espírito Santo, estuprada desde os seis anos e engravidada pelo tio. Apesar de autorizado pela Justiça, o acesso dela ao procedimento para interromper a gestação foi dificultado, forçando seu deslocamento até Recife. Tal acontecimento, que ganhou a midiatização em agosto de 2020, foi atravessado por muitas contradições, que, de modo específico, nos levaram a analisar as tensões em disputa, a partir da emergência dessa diferença: a existência da menina (sua vida, seu corpo violentado), em seu direito ao aborto legal. Como marco teórico, trabalhamos com as noções de aparência (Arendt, 2007) e latência (Gumbrecht, 2014) para compreender a (não) emergência da diferença nos contextos afetados pelo projeto moderno, articulando como, nas sociedades modernas, se constrói uma noção de infância diretamente marcada pela ideologia do progresso (Marques; Mafra, 2019), para, por fim, percebermos a midiatização, como um fenômeno de captura, capaz de vulnerabilizar existências. A metodologia da pesquisa foi baseada: (1) na proposta “po-ética feminista negra”, tal como desenvolve Silva (2019); (2) no paradigma ético-estético-político-existencial intuitivo proposto por Gumbrecht (2010, 2016); (3) e na abordagem afetiva elucidada por Moriceau (2019). Esse conjunto de repertórios nos levaram ao procedimento metodológico qualitativo que estamos chamando de "análise po(est)ética pendular" — que nos motiva a olhar para esse cenário, entre as materialidades comunicativas que ressoam no campo de pesquisa, em busca de compreender o movimento pendular da midiatização desse caso e como esse movimento em torno da criança evidencia uma infância em disputa. A partir disso, nas análises, identificamos três movimentos: (1) o desejo social pela criminalização severa do tio que estuprou a criança, por uma lógica punitivista; (2) uma preocupação simplista com o futuro do feto, informada pela ideologia do progresso; (3) e a própria expressão do movimento pendular, na lógica da midiatização. Como conclusões, percebeu-se que essas forças (atravessamentos que puxam para um lado e para o outro) revelam a impossibilidade da criança aparecer enquanto diferença nesse contexto, colocando o corpo e a voz da menina em estado de clandestinidade (tornados latentes), nos fluxos informacionais entre o público e o privado, das redes para as ruas, em plena pandemia, vulnerabilizando a existência da criança de São Mateus. |