Resumo |
As comunidades que vivem às margens do rio Doce foram fortemente atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG), em 2015. O rejeito atingiu as baixadas onde agricultores/as cultivam seus alimentos e gerou perdas de produtividade e de identidade com o local que abriga memórias ancestrais. Estudos acerca da toxicidade oriunda de metais pesados depositados nesses ambientes são controversos e geram insegurança e indignação nas famílias. Independentemente dos resultados das pesquisas científicas, as famílias observam e afirmam que as plantas não crescem mais com a saúde e vitalidade que cresciam antes, o que coloca em risco a soberania alimentar da comunidade. A avaliação participativa da qualidade desses agroecossistemas é uma forma de empoderar a comunidade e reconhecer a importância da sabedoria local, que articulada com o conhecimento científico, pode auxiliar nas tomadas de decisões. Objetivou-se avaliar de forma participativa a qualidade dos solos afetados e não afetados pelo rejeito. Amostras de solos foram coletadas nessas áreas e avaliadas utilizando a Cromatografia Circular de Pfeiffer (CCP), que permite caracterizar misturas complexas, como é o solo. Na CCP ocorre uma separação física dos componentes do solo, a partir da retenção seletiva dos componentes de uma fase móvel (solo + NaOH) que percorre, por capilaridade, uma fase estacionária (papel filtro + AgNO3), onde formam padrões radiais com cores e formas características. A fotografia do solo é revelada com a exposição, por 10 dias, do papel filtro à luz indireta do Sol, o que torna os cromas mais nítidos. Após análises comparativas, observou-se que muitos dos solos afetados pelo rejeito apresentam uma transição abrupta entre as zonas internas e externas do croma, e uma coloração cinza em algumas delas, o que pode sinalizar uma descontinuidade entre os processos de decomposição e mineralização da matéria orgânica, mediados pela vida do solo. Observou-se também que as amostras dos solos que estavam em área sem cobertura vegetal apresentaram padrões concêntricos e zonas que não se integram, além de uma coloração marrom opaca. Os padrões revelados são interpretados tendo como referência a literatura e possibilitam uma análise sistêmica da qualidade dos solos, aliada aos conhecimentos dos agricultores e dos pesquisadores. Com a prática, adquire-se habilidades para a interpretação visual dos cromas que revelam aspectos relacionados à matéria orgânica, atividade enzimática, aeração, compactação, adubação nitrogenada excessiva, agrotóxicos, dentre outros. A Cromatografia de Pfeiffer foi eficaz para diferenciar a qualidade dos solos afetados pelo rejeito e pode ser incorporada em processos de monitoramento participativo que contribuam para a tomada de decisão autônoma dos atingidos, bem como para a avaliação da saúde e vitalidade dos solos, entendido como um organismo vivo dos agroecossistemas. Agradecimentos ao Ministério Público do Trabalho pelo apoio ao projeto. |