Resumo |
A porção sul da floresta Amazônica tem sofrido grande pressão antrópica devido ao desmatamento, fator que está diretamente associado ao aumento da ocorrência de incêndios na região. O fogo causa alteração na estrutura da floresta e da fauna associada, gerando efeitos, muitas vezes negativos e irrecuperáveis, sobre a biodiversidade. As formigas constituem um grupo dominante em ambientes tropicais e são amplamente utilizadas como indicadores ambientais por serem organismos sensíveis às perturbações no ambiente. Sabe-se que distúrbios antrópicos como o fogo modificam a estrutura da comunidade de formigas, porém os mecanismos desta mudança não são conhecidos. Nosso objetivo é investigar os mecanismos que levaram as mudanças na comunidade de formiga de uma floresta Amazônica severamente degradado pelo fogo. Além disso, buscamos compreender se a recuperação dessa comunidade ocorre de forma paralela à regeneração dessa floresta. Para isso, utilizamos um experimento de incêndios recorrentes no sul da Amazônia, no município de Querência-MT. Os incêndios experimentais ocorreram em 2004, 2007 e 2010, em uma área de 500 x 1000 m, e causaram a conversão da floresta tropical em uma savana derivada, que hoje encontra-se em um processo de regeneração (tratamento). Paralela a essa, existe uma parcela com tamanho, vegetação e topografia similar não queimada (controle). As formigas foram coletadas nesses locais utilizando 54 pitfalls por área nos anos de 2013 e de 2019. Utilizamos sete atributos funcionais morfológicos medidos em 364 indivíduos de 137 espécies para calcular a riqueza e a redundância funcional. A riqueza funcional foi pelo menos duas vezes maior no controle do que na área experimental, de forma que o fogo em florestas tropicais age como um filtro, selecionando espécies generalistas e, assim, possivelmente reduzindo as funções realizadas pelas formigas. Por outro lado, a riqueza funcional foi cerca de oito vezes maior no ano de 2013 quando comparado com o ano de 2019, o que pode estar associado com o período de coleta das formigas. Em 2013 coletamos na estação seca e, em 2019, na estação chuvosa, o que altera as condições, a disponibilidade de recursos, e as interações entre os indivíduos. A redundância funcional não diferiu entre os tratamentos e os anos de coleta, de forma que as espécies encontradas contribuem de forma particular para a diversidade de funções. As novas condições da floresta, provenientes do distúrbio, parecem representar um filtro ambiental, permitindo que um espectro menor de características funcionais persista nesse ambiente. Em contrapartida, é necessário entender melhor os efeitos do período de coleta e a dissimilaridade funcional das espécies encontradas. Dessa forma, concluímos que o fogo causa efeitos negativos sobre a diversidade funcional de formigas, sugerindo que funções ecossistêmicas desempenhadas por esses organismos são perdidas devido à convergência dos seus atributos funcionais. |