Resumo |
Maria Firmina dos Reis foi professora, poetisa, escritora, intelectual e ativista dos direitos das mulheres e dos negros. Ela buscou transformar o mundo ao seu redor através da docência, da luta pela igualdade e da escrita. É sobre essa última que nos debruçamos. O recorte temporal estabelecido visa capturar a atmosfera sócio-histórica na qual se enraízou a cosmovisão firminiana, abarcando o período entre a conquista da independência em 1822 até o ano de publicação do romance. Úrsula é uma expressão dos seus anseios de "salvar" o mundo. Sugere um diagnóstico e uma projeção de futuro que apontam para falência de uma sociedade que se organizou de um processo colonial, como bem argumenta Fanon, pautado na linguagem da violência. No romance afro-brasileiro está entremeado um argumento anticolonial, que amarra abolicionismo, antipatriarcalismo e a positivação da herança africana, de modo a sinalizar para a percepção da urgência e do imperativo da refundação das estruturas de sustentação social de uma realidade “odiosa”. Buscamos compreender interpretações e agências históricas e intelectual de pessoas negras na luta abolicionista, partindo das estratégias discursivas implementadas na fonte. Qual a mensagem política inscrita e subscrita no conteúdo aparente? O que isso diz sobre a interpretação da autora acerca do estado de coisas estabelecidas? Qual o lugar da justiça e da liberdade na cosmovisão firminiana? Ela propõe novas ideias ou caminhos para sociedade? A fim de observar as estratégias empregadas no intento de fazer transitar ,no cotidiano dos circuitos culturais, uma nova narrativa sobre a categoria raça, buscaremos percorrer ideias dentro da perspectiva dos estudos subalternos, de autores como Quijano, Mbembe, Fanon. Nossa fonte é o romance romântico Úrsula, publicado em tipografia maranhense em 1859. Disruptivo, arrojado e corajoso. Inaugurou no Brasil a tipologia da literatura afro-brasileira na imprensa maranhense hegemonicamente masculina. Na metodologia, buscamos investigar a trajetória dos três personagens centrais para defesa do argumento antissistêmico confrontando com as bibliografias. Suzana, Túlio e Antero revertem o papel ocupado pelos negros na história oficial da nação e escancaram a contranarrativa, visando contar a outra face da história afrodiaspórica no Brasil. Com base nisso, percebemos como um novo enfoque na categoria raça- conforme estipulada por Quijano- é central no sentido de propor novos caminhos epistemológicos para organização social. Dai averiguamos que o papel desempenhado pelo personagens negros é o de protagonizarem uma reversão dos papeis sociais atribuídos a pessoas negras num sistema ancorado no racismo, o esvaziamento dos antigos sentidos e proposição de novos orgulhosos da origem. Apesar da recepção positiva, foi relegada ao esquecimento por mais de cem anos. Este trabalho pretende ser um espaço para escuta e eco para a dissonante leitura de mundo da intérprete brasileira. |