Resumo |
A babesiose é causada por um hemoprotozoário do gênero Babesia, sendo que as espécias B. gibsoni e B. canis possuem capacidade de infectar o cão. Esse agente infeccioso vai se multiplicando dentro das hemácias do hospedeiro, causando a destruição das mesmas. Essa hemólise desencadeada é chamada primária, pois é causada pela própria multiplicação do protozoário, mas há também uma hemólise secundária à estimulação do sistema imunológico mobilizado pela infecção, gerando a anemia hemolítica imunomediada. Objetiva-se relatar o caso de uma fêmea canina, da raça Lhasa Apso, 10 kg e 5 anos que foi atendida com histórico de atropelamento. Ao exame físico e ortopédico, observou-se possível fratura em pelve, sendo realizada radiografia e identificada fratura de corpo de ílio direito e esquerdo, de púbis esquerdo e em ramo de ísquio e em corpo de ísquio esquerdo. Foram realizados exames de hemograma (evidenciou trombocitopenia de 160.000) e bioquímicos (não apresentaram alterações). O exame ultrassonográfico abdominal evidenciou fígado hipoecogênico e rins com sinal de medular e nefrocalcinose discreta. A paciente foi internada para controle de dor, monitoração dos parâmetros fisiológicos e intervenção cirúrgica nos dias subsequentes. No dia seguinte ao trauma, a paciente iniciou quadro de hematoquezia, apatia e icterícia, sendo tratada com metronidazol e ceftriaxona. Com evolução negativa do quadro clínico e novos exames evidenciando hematócrito de 13%, leucocitose de 36.600 por neutrofilia e monocitose, desvio de 29% e trombocitopenia de 26.000, realizou-se cultura e antibiograma de fezes que evidenciaram crescimento de Proteus mirabilis sensível apenas ao meropenem. Frente a esses resultados, suspeitou-se de sepse e anemia hemolítica autoimune. Foi realizada transfusão sanguínea e iniciou-se a antibioticoterapia com meropenem e tratamento com prednisolona em dose imunossupressora. Após 24h do novo tratamento, a paciente apresentou melhora no hematócrito (23,8%) e quadro clínico, e foi encaminhada para cirurgia de osteossíntese de corpo de ílio direito e esquerdo, dez dias após atendimento inicial. Realizou-se sorologia para possíveis hemoparasitas, que resultou em IgM e IgG reagentes para Babesia sp. A paciente foi submetida à tratamento com dipropionado de imidocarb. Acredita-se que o quadro severo de hematoquezia, hemólise e sepse ocorreu secundariamente à infecção crônica por Babesia sp, que agudizou após o trauma severo e consequente síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS), favorecendo à translocação bacteriana intestinal e consequente contaminação hematógena, e ausência de resposta significativa da paciente aos tratamentos instituídos, impossibilitando a intervenção cirúrgica precoce. Conclui-se que a babesiose foi determinante para as complicações sistêmicas desencadeadas na paciente, impossibilitando o tratamento cirúrgico imediato e, consequentemente, favorecendo o surgimento das complicações decorrentes da fratura em pelve. |