Resumo |
O período ditatorial brasileiro, bem como a redemocratização do país, é ainda um momento sobre o qual lançar luz se faz necessário, visto que ele permanece dormente na imaginação coletiva. O desaparecimento de cidadãos, a repressão política e a censura da arte permanecem ainda hoje práticas sobre as quais não tivemos explicação integral. Na década de 80 o sentimento, principalmente na produção artística, era a busca pelo atual, algo “que fosse novo, diferente, esteticamente ousado e falasse a linguagem das ruas” (ALEXANDRE, 2013 p. 131) como bem explicita a canção Tempos Modernos de Lulu Santos. Ao contrário dessa canção, no entanto, várias outras pertencentes ao movimento pop rock da década de 80 foram vetadas pela Divisão de Censura, a maioria sem nenhuma boa explicação do porquê. O que alguns censores utilizaram como justificativa para vetar essas canções (isto é, quando justificaram) partem de uma visão conservadora a respeito das letras, justificativa esta que não se estende para todas as músicas. Os efeitos de sentido produzidos por suas letras, entretanto, podem nos dar pistas dos motivos que levaram à censura. Nesse sentido selecionamos um corpus (23 canções censuradas do pop rock brasileiro da década de 80) que, por sua vez, obedece às condições para “uma análise semiolinguística do texto e do discurso” visto que reúne “produções que, por hipótese, pertençam ao mesmo tipo de situação” (PAULIUKONIS; GAVAZZI, 2005). É nesta percepção que temos por objetivo compreender estes efeitos de sentido para melhor entender o que levou à censura dessas canções, e mais especificamente: i) descrever o contrato de comunicação que rege os atos de comunicação presentes no corpus e sua organização discursiva através dos modos de organização do discurso (enunciativo, descritivo, narrativo e argumentativo); ii) rastrear e explicar as representações sociodiscursivas que se apresentam nas canções censuradas; iii) evidenciar os imaginários mobilizados que se apresentam nelas; iv) explicitar em que domínios de avaliação elas podem ter sido enquadradas para propiciar o seu julgamento; v) discutir como elas podem ser compreendidas em termos de organização argumentativa; vi) contrapor os pareceres dos censores reais com os dados obtidos na pesquisa de modo a aumentar a compreensão de termos utilizados como pilares da sociedade da época (“bons costumes”, “moral”, etc.), afetados por elas. Para isso, utilizaremos a teoria semiolinguística de Patrick Charaudeau como aparato teórico-metodológico, visto que essa enquadra os atos de comunicação em um meio situacional observando o discurso de forma linguística e semiológica. Vale apontar aqui alguns resultados parciais: o estudo do corpus evidenciou que as realizações enunciativas apontam para uma construção argumentativa mais subjetiva, além disso com as atividades da pesquisa pôde-se constatar uma proposta argumentativa que tende a uma nova construção do mundo, a partir da destruição do mundo/valores vigentes da época. |