Resumo |
Dois caminhos opostos, porém, complementares, no estudo da aquisição de uma segunda língua (L2) são a busca pela influência da língua materna (L1) e, por outro lado, das limitações do próprio sistema da interlíngua, de natureza universal. Entende-se que, no contexto de aquisição natural de uma L2, o principal objetivo do aprendiz iniciante seja a comunicação na língua alvo, e, portanto, produzir e interpretar significados. Por essa razão, aspectos gramaticais como a morfologia verbal são adquiridos mais tarde que os recursos lexicais, como os próprios verbos. Esta apresentação tem por objetivo demonstrar as estratégias empregadas por aprendizes iniciantes de português como L2 para expressar sequências de eventos, mesmo sem dominar a morfologia tempo-aspectual da língua alvo. Acredita-se que certos domínios conceituais, como a temporalidade e a espacialidade, sejam menos suscetíveis à influência da L1 no início da aprendizagem, havendo, portanto, pouca variação na interlíngua de aprendizes de diferentes L1 no tocante à expressão desses domínios em particular. Assim sendo, decidiu-se investigar a interlíngua inicial de aprendizes de português L2, como parte do projeto Gramáticas distintas e seu papel na aquisição de português como L2. Foram analisadas amostras orais da interlíngua de uma aprendiz falante nativa de alemão, uma de holandês e uma de espanhol, em um trecho que corresponde à narração de uma sequência de quatro cenas do livro de estórias infantis Frog, where are you (MAYER, 1969), coletadas no ano de 2018, em Viçosa-MG. As transcrições desses trechos foram comparadas com a narração das mesmas cenas por falantes nativos brasileiros. Observou-se que os aprendizes empregaram muito pouca morfologia verbal. Entretanto, conseguiram se comunicar. De um modo geral, foram encontrados vários enunciados compostos de verbos não conjugados, complementos verbais e advérbios, geralmente em períodos simples ou em orações coordenadas (e, mas). Também, observou-se que os aprendizes usaram sempre a ordem cronológica como um recurso pragmático importante ao narrar as sequências de eventos, diferindo, assim, das orações mais complexas dos falantes nativos. Também foram observados recursos peculiares na expressão do aspecto, por exemplo, o caso do aspecto resultativo, pela aprendiz holandesa (cena do pote de vidro quebrado na cabeça do cachorro). Como esperado, diferentemente da interlíngua da aprendiz alemã e da holandesa, a proximidade do espanhol com o português levou a aprendiz falante de espanhol a empregar morfologia de sua L1. Concluindo, neste estudo buscou-se demonstrar a importância de se considerar as características inerentes à própria natureza da interlíngua, além da influência da L1. Espera-se chamar atenção para a relevância de se valorizar as tentativas do aprendiz iniciante de se comunicar na L2, evitando o ensino primordial e impositivo da morfologia tempo-aspectual nessa etapa em particular. |