Resumo |
A escrita de Conceição Evaristo é marcada pelo termo Escrevivências, um neologismo que expressa a ideia de escrever, viver e ser. Este conceito evidencia o compromisso com o caráter identitário, documental e coletivo por meio de um fazer poético, voltado para a ressignificação da identidade negra, através de, uma produção literária que manifesta profundas reflexões, sobretudo, de sujeitos femininos negros que têm urgência em reafirmar as identidades afrodescendentes e denunciar principalmente a violência urbana e as mazelas dos espaços periféricos que ainda se impõem ao povo negro. Nas palavras da escritora, “A nossa escrevivência não pode ser lida como histórias para ‘ninar os da casa grande’ e sim para incomodá-los em seus sonos injustos” (2005). É notório que tais temáticas perpassam a obra da escritora, no qual o espaço urbano, mais especificamente a cidade, configura-se como um elemento estruturante que expressa a exclusão e a reprodução real da violência refletindo padrões, hierarquizados por meio de ideologias estruturais, racistas e sexistas. “A literatura é um espaço privilegiado para tal manifestação, pela legitimidade social que ela ainda retém. Ao ingressarem nela, os grupos marginalizados também estão exigindo o reconhecimento do valor da sua experiência na sociedade.” (Dalgastagnè, 2017, p. 236). Nessa ótica, Brandão (2013) expressa a importância de se pensar o espaço como sistema de organização e significação, tomando o texto literário como corpus de análise. Ainda, segundo esse autor na noção de periferia que inclui os mais diversificados métodos de espoliação, do gesto colonizador, está ligada a dimensão de distância. Nesse sentido, a abordagem da representação do espaço urbano em torno da violência é importante para desconstruir padrões cristalizados por parâmetros opressores, que visam questionar diretamente a dura e desigual realidade a qual estão submetidos o negro e sua perspectiva social. Para Lélia Gonzales (1980), o espaço urbano desde a época colonial aos dias de hoje, apresenta a separação do espaço físico dividida entre dominadores e dominados, “o lugar natural do negro é o oposto, evidentemente: da senzala às favelas, cortiços, invasões, alagados e conjuntos “habitacionais” (...) Dos dias de hoje, o critério tem sido simetricamente o mesmo: divisão racial do espaço.” (GONZALES, 1982, 233-244). Por esse viés, busca-se a partir da representação ficcional feita por Conceição Evaristo, interrogar as relações de poder, geradas pelos mecanismos de exclusão dos espaços urbanos, de fato, analisar a cidade implica estudar também a violência vivida em um contexto urbano, desmistificando assim um universo inteiro de exclusão. |