Resumo |
Este trabalho investiga a filosofia da literatura de Vilém Flusser acerca da obra roseana, considerando a complexa relação entre eles, defendendo que tal análise não é, meramente, um trabalho de revisão fragmentada da enorme fortuna crítica sobre Rosa, mas parte essencial de um empenho de compreensão e interpretação da própria teoria de Vilém Flusser – interpretação esta que seria incompleta sem levar em consideração sua relação com Guimarães Rosa. O recurso utilizado é revisão bibliográfica, com interpretação e análise rigorosa de textos. Os autores mantiveram contato, no decorrer da década de 60, até a morte de Rosa. O impacto causado em Flusser pela obra roseana é perceptível pela quantidade de textos que produziu sobre a mesma e pelo aparecimento de Rosa em sua autobiografia filosófica, mais especificamente no capítulo em que o autor discorre sobre os diálogos que manteve com personalidades que o marcaram. Além da explícita admiração que Flusser nutriu por Guimarães Rosa, estes autores se aproximam existencialmente por terem vivido fora de seus países de origem, pela experiência poliglota, pela certa resistência a ambientes formalizantes – a universidade, no caso de Flusser, e a Academia Brasileira de Letras, no caso de Rosa – e também porque compartilhavam a noção heideggeriana da língua, no sentido de que é ela que fundamenta o "ser". Flusser não só admirou Rosa, como considerou seus livros demonstrações de suas próprias teorias. Para Flusser, poeta é aquele que articula o inarticulável. Guimarães Rosa, em sua visão, através da ruptura da sintaxe, leva-nos a um novo mundo, quebrando nossa forma comum de pensar, por meio de uma escrita fenomenológica que expõe o que é ocultado pela própria construção da língua – com isso articula o inarticulável. A partir disso, defendemos que a obra de Guimarães Rosa não funciona somente como objeto de análise, mas como motor gerador, que influencia a construção teórica do autor, especialmente em suas teses postuladas no livro Língua e Realidade, o qual comoveu Guimarães Rosa profundamente. E o comoveu justamente porque a tese apresentada – de que a língua não é meramente, como pensou Wittgenstein, um mapa do mundo; mas é geradora, produtora de mundos, e seu aspecto predominante é o estético, não se limitando ao ontológico e epistemológico – coincidia com a experiência de Rosa, assim como com a do autor. Em suma, delineia-se, de maneira geral, a complexidade da relação entre Flusser e Guimarães Rosa, demonstrando que não se tratava somente de algum tipo de amizade, mas de uma profunda relação teórica, que sem dúvida alguma impacta a obra de Vilém Flusser e possivelmente influenciou a de Guimarães Rosa. Portanto, é nesse sentido que defendemos que, para se compreender mais detidamente a filosofia de Vilém Flusser, é necessário que se estude sua relação com Guimarães Rosa. |