Resumo |
As narrativas biográficas, segundo Leonor Arfuch, se fazem presentes em diversos gêneros, principalmente diante das experiências midiáticas atuais. Diversas práticas autobiográficas contemporâneas originaram novos modos de os indivíduos narrarem a si mesmos, tais como as videografias de si encontradas no YouTube. Caracterizam-se, de acordo com Bruno Costa, por registros cotidianos e confessionais na internet, com exposição da intimidade, o que remete à discussão acerca dos limites entre os âmbitos público e privado. Diante disso, os vídeos do canal HDiário tornaram-se um atrativo objeto de pesquisa, uma vez que o seu produtor, Gabriel Comicholi, utilizou a plataforma para revelar que convive com HIV e relatar o seu dia-a-dia como soropositivo em 16 vídeos que contabilizam quase 700 mil visualizações. A pesquisa objetiva, portanto, a partir de uma análise dos seus vlogs, perceber como ele constrói discursivamente as videografias de si e entender as suas motivações ao revelar algo alocado na esfera do sigilo por ser, ainda hoje, tão estigmatizado em nossa sociedade. Para isso, adotamos como metodologia a Análise do Discurso, que promove uma associação entre texto e contexto, e, dentre as suas vertentes, optamos pela Teoria Semiolinguística, de Patrick Charaudeau, a partir da qual pode se definir a situação comunicacional, as identidades dos sujeitos envolvidos, a finalidade, o dispositivo e o tema do discurso, assim como suas restrições, estratégias e modos de organização. Além disso, tal teoria também permite compreender outras questões relacionadas ao discurso, como estereótipos, imaginários sociodiscursivos, imagem de si e emoção na linguagem. Mesmo que a nossa pesquisa esteja ainda em fase preliminar, as observações realizadas até então apontam que o canal, como o seu título já sugere, numa referência à modalidade autobiográfica, consiste em um diário online que publiciza algo do domínio privativo – no caso, o HIV. Como Gabriel já é assumidamente gay, a revelação de ser soropositivo consiste no que Richard Miskolci chamou de saída do segundo armário, referindo-se ao novo regime de visibilidade que emergiu para os homossexuais com o surgimento da AIDS. Esta doença, que poderia ser delimitada como viral foi, porém, constituída como sexualmente transmissível de modo a estigmatizar os indivíduos que não seguiam a ordem sexual tradicional, patologizando as sexualidades dissidentes e fazendo com que LGBTQs ocultassem a condição sorológica por receio de se exporem. Ao abandonar este armário, Comicholi foi acusado de almejar fama, mas, segundo ele, suas motivações não estão ancoradas na obtenção de likes e seguidores, mas sim na possibilidade de autoajuda, ajuda a outras pessoas e debate sobre o assunto. A continuidade da pesquisa permitirá, então, identificar essas intenções, concluir como os soropositivos estão sendo narrados e se os discursos do youtuber auxiliam a romper o estigma e levar informação correta aos espectadores. |