Resumo |
O infanticídio indígena, aqui entendido como uma prática cultural de morte de recém-nascidos em comunidades tradicionais por agentes diversos movidos por motivos também diversos, ganhou destaque na mídia brasileira em 2004, com a transmissão de uma reportagem na televisão sobre duas garotas da tribo Suruwaha que seriam supostamente mortas por membros da sua comunidade se não fosse a ação de missionários que as retiraram do local. Desde então, o debate político e jurídico sobre a possibilidade e as formas de se coibir a prática tem sido prolífico, gerando tanto uma Proposta de Emenda à Constituição, rejeitada, como um Projeto de Lei (PL 1057/2007), que hoje se encontra no Senado após votação na Câmara. A presente pesquisa, que usou metodologia bibliográfica, objetivou (i) aferir a constitucionalidade do PL; (ii) se posicionar no debate sobre a validade moral do PL e (iii) a partir de experiências semelhantes, aferir a eficiência do projeto de lei, caso aprovado. Ao fim, a pesquisa concluiu que o debate entre relativismo e universalismo dos Direitos Humanos, apesar de ter sido central no debate acadêmico sobre o infanticídio, merece ser superado, rumo a uma concepção de Direitos Humanos plural, cultural e histórica e, como tal, mutável e passível de diálogo. Da mesma forma, não há como manter o debate dentro do binômio direitos individuais ou direitos culturais, uma vez que ambas as classes de direitos se interpõem e fazem parte da integralidade das garantias dadas aos indivíduos na ordem jurídica contemporânea. É necessário entender, assim, a criança indígena como uma minoria dentro de uma minoria, ou minoria interna, sendo necessário equalizar suas demandas por direitos de primeira, segunda e terceira dimensões. Em último lugar, é importante também ressaltar que, embora o PL use termos amplos como "povos indígenas", a prática do infanticídio é raramente descrita entre as várias etnias e não há estudos profundos sobre sua prevalência, o que gera o risco de criar estigmas acerca desta minoria e reforçar preconceitos, o que afeta não só uma população já bastante vulnerável como as próprias crianças indígenas que se pretende proteger. Portanto, embora o PL seja constitucional, o Poder Legislativo deve tentar utilizar outras ferramentas para erradicar a prática, construindo um diálogo interinstitucional e intercultural que consiga entender a prevalência do infanticídio, planejar ações que não signifiquem o enfraquecimento dos laços comunitários e identitários e traçar metas que convirjam no dever de empoderamento dos povos tradicionais. |