Resumo |
A interlíngua, ou IL, é o termo cunhado por Selinker (1972) para definir o sistema linguístico distinto, observável nas tentativas do aprendiz de produzir uma língua não materna (L2). O estudo da maneira como os aprendizes expressam a temporalidade na L2 justifica-se tendo em vista que se trata de um conceito relacionado à expressão de eventos. Segundo Bardovi-Harlig (2000), estudos funcionais da interlíngua, como Klein (1986), revelaram que, para a expressão da temporalidade, os aprendizes passam normalmente por três estágios, caracterizados por estratégias específicas: um estágio nominal, que não comporta verbos e tem na pragmática a principal estratégia do aprendiz; um estágio lexical, com uso mais intenso de advérbios temporais e locativos, referências ao calendário e verbos na forma básica, como o infinitivo (no inglês) ou a terceira pessoa do singular do presente (no espanhol e italiano) ou uma forma existente apenas na interlíngua; um estágio morfológico, com um incremento no uso de flexões tempo-aspectuais e um decréscimo no uso de expressões adverbiais. O presente trabalho teve como objetivo comparar a interlíngua de dois aprendizes iniciantes de português como língua não nativa (PLE), residentes há 2-3 meses no Brasil, na época da coleta, sendo uma falante nativa de espanhol e outro, de holandês. Buscou-se identificar as estratégias de expressão da temporalidade em narrativas orais coletadas no Projeto "O papel da gramática de L1 na aquisição do aspecto verbal do português como L2", um estudo transversal. Os participantes produziram narrativas individuais baseadas no livro infantil “Frog, where are you” (MAYER, 1969), composto somente por gravuras que descrevem 25 cenas encadeadas. Observações preliminares mostram que a aprendiz de PLE, falante de espanhol, usa flexões e estruturas do espanhol no início da aprendizagem, advérbios do português e do espanhol e a ordem cronológica. O aprendiz holandês se apoia principalmente nesta última estratégia. Ele conhece poucos verbos e os emprega sempre no presente, com flexões de número e pessoa. Emprega poucas expressões adverbiais e alguns verbos na língua inglesa. Concluiu-se, nesta etapa da análise, que a semelhança entre português e a língua materna (espanhol) foi um facilitador da comunicação no início da aprendizagem, mas pode vir a dificultar a aquisição da morfologia tempo/aspectual (terceiro estágio), quando a fidelidade à ordem cronológica pode não ser suficiente para expressar corretamente a sequência de eventos. Por outro lado, a distância maior entre L1 (holandês) e PLE levou ao uso de outras estratégias de comunicação, como “code switching” (uso de palavras em duas línguas diferentes), além da ordem cronológica. Essa diferença parece apontar para outro caminho na aquisição da morfologia de tempo e aspecto. |