Resumo |
A peça Auto da Compadecida, considerada por Sábato Magaldi um marco do teatro moderno brasileiro, escrita em 1955 pelo dramaturgo paraibano Ariano Suassuna, encenada pela primeira vez no ano seguinte em Recife e premiada em 1957 no Rio de Janeiro, simboliza o apelo à misericórdia. Foi superpopularizada devido a versões cinematográficas, sobretudo a adaptação dirigida por Guel Arraes. Para sua construção, foi de cabal importância a maneira pela qual Ariano conciliara, magistralmente, a influência barroca dos clássicos ibéricos, especialmente Gil Vicente, Calderón de la Barca e Cervantes à tradição oral dos contadores de história, representantes por excelência da cultura popular. O teatro de Suassuna - cujo formato se caracteriza por uma encenação simples assim como a linguagem precisa, livre de preciosismo - dialoga em vários aspectos com os motes e tipos sociais presentes nas obras do autor de O Auto da Barca do Inferno. A visão cristã de mundo, o julgamento divino e a intervenção de Nossa Senhora para o desfecho ameno da trama evidenciam o tom eminentemente moralizante dos autos ao mesmo tempo em que remetem ao teatro catequético de Padre José de Anchieta, já que, ao assistir à peça, o espectador é convidado a refletir sobre os diversos conflitos morais, políticos e sociais. Nesse sentido, a obra literária de Suassuna pode ser entendida como uma fonte de alta importância para compreender e defender a representatividade do povo brasileiro. O autor paraibano integra, em suas obras, realidade e ficção como forma de protesto da vulgarização da cultura brasileira e demonstra, dessa forma, seu amor por suas raízes, pela língua portuguesa e, sobretudo, por nossa cultura popular. A partir da observação de sua região, Ariano Suassuna registra em sua narrativa o amarelo João Grilo, o fantasioso contador de história Chicó, assim como o cangaceiro super-religioso Severino do Acaraju; tais personagens são representantes por excelência da comunidade sertaneja. A obra em questão pode ser considerada como um autorretrato da antítese social que assola o Brasil desde o período colonial, posto que vivemos em um país absurdamente desigual, fruto de uma herança escravocrata. As personagens da peça são, pois, alegorias deste sistema de injustiça social. Valendo-se de uma roupagem cômica, Ariano - sensível aos problemas do nordeste, enaltece a memória coletiva da região construindo uma narrativa com elementos originais da cultura nordestina. Portanto, a obra literária de Suassuna pode ser entendida como uma fonte basilar para compreender e defender a representatividade de grupos minoritários. Tais lutas são reflexos da mudança estrutural e do pensamento social do sujeito da modernidade tardia. Assim, encontra-se em sua aglutinação poética, uma literatura de resistência, avessa à armadilha do desconhecimento da nossa cultura, capaz de despertar discussões relevantes à sociedade contemporânea. |