Resumo |
A morfologia da língua pode refletir o regime e comportamento alimentares das espécies e também suas relações filogenéticas e habitat. A língua tem muitas funções, incluindo a captura de presas e o transporte de alimentos para a parte posterior da boca, pode também proporcionar sabor e fornecer odores para o órgão vomeronasal. O objetivo deste trabalho foi analisar comparativamente a morfologia da língua de duas espécies de répteis squamatas, Hemidactylus mabouia (lagartixa) e Tropidurus torquatus (calango). A pesquisa consistiu de cinco exemplares adultos de cada espécie, que foram eutanasiados com superdose de pentobarbital injetada intraperitonialmente. Após eutanásia, os animais foram medidos e pesados e fragmentos da língua (regiões apical, média e basal) foram coletados, fixados em formalina de Carson por 24 horas e processados para inclusão em resina glicol-metacrilato. Secções com 3µm de espessura foram coradas com azul de toluidina para descrição geral, sudam black para identificação de lipídeos, alcian blue (AB) para mucinas ácidas e ácido periódico de schiff (PAS) pra mucinas neutras. A língua dessas espécies mostrou-se um órgão muscular altamente vascularizado e inervado, revestido com epitélio estratificado pavimentoso queratinizado, com papilas filiformes por toda extensão em H. mabouia e restritas ao ápice em T. torquatus. Não se observou botões gustativos nestas papilas, refletindo sua função puramente mecânica. Em H. mabouia encontra-se queratinização apenas na região do ápice, já em T. torquatus está por toda língua, em especial no ápice, onde também há melanina logo abaixo do epitélio, conferindo proteção tendo em vista a grande exposição ao ambiente, sendo essa espécie diurna e heliófila, e com diversidade de micro-habitats. Em toda a língua de T. torquatus e H. mabouia encontra-se grande quantidade de tecido muscular estriado esquelético. Tecido adiposo, evidenciado pela coloração sudam black, foi encontrado nas regiões média e basal em T. torquatus, e somente na região basal em H. mabouia. Na região basal da língua de H. mabouia encontram-se glândulas mucosas (PAS e AB positivas) tubulares ramificadas que desembocam no sulco das papilas, cuja secreção confere lubrificação e proteção à cavidade oral. Glândulas mucosas tubulosas também foram observadas em toda a língua de T. torquatus, porém não ramificadas. Na região do ápice elas desembocam no sulco das papilas, onde sua secreção mucígena certamente auxilia na captura de alimentos além de conferir lubrificação e proteção. Ao fim deste estudo pode-se concluir que T. torquatus e H. mabouia apresentam no órgão estudado algumas semelhanças morfológicas, provavelmente por apresentarem regime e comportamento alimentares similares (comem insetos e pequenos artrópodes, e são forrageadores do tipo senta-e-espera). As diferenças provavelmente são devido às particularidades de habitat e dieta, sendo que T. torquatus é mais generalista, se alimentando também de folhas, flores e frutos. |