Resumo |
Escritos por volta da segunda metade do século XX, o romance High-Rise (2014) do escritor inglês J. G. Ballard bem como o conto "La autopista del sur" (2000) do argentino Julio Cortázar, apresentam preocupações acerca do estado de individualização que atingia as grandes capitais ocidentais na Modernidade tardia (HALL, 2005). Destas percepções, os autores parecem construir distintas representações alegóricas para este fenômeno, no qual Ballard sublinha, em sua narrativa, a escala de caos e o retorno ao estado primitivo do homem, enquanto Cortázar desenha uma situação efêmera de humanização das relações antes mecanizadas. Para o escritor Ned Beauman, High-Rise possuiria duas linhas de leitura: “o livro todo é sobre arquitetura; o livro não é nada sobre arquitetura”. Assim, ao narrar a saída da frivolidade na vida cotidiana de um moderno e luxuoso condomínio londrino para transformar-se em um barbarismo naturalizado entre pessoas privilegiadas, Ballard trabalha uma forma dupla de analogia, a arquitetônica e social. Nos atendo a essa definição, cremos que uma leitura do conto de Cortázar, que tem inicialmente por enredo o engarrafamento de um grupo de carros numa rodovia que leva à Paris, mas que com seu desenvolvimento torna-se logo uma história de identidade e pertença diante do caos urbano, uma narrativa igualmente “sobre arquitetura e ao mesmo tempo não”. Neste sentido, com o propósito de confrontar as duas obras pelo viés da Literatura Comparada, nos propomos neste trabalho uma análise dupla: a da espacialidade como ordenadora social e a das relações individualizadas entre personagens nestes cenários “distópicos”. Para a primeira, nos enfocaremos nos elementos imanentes dos textos para que possamos relacionar e melhor compreender como ambos escritores engendram a relação espacial, seja pelos conflitos ocorridos em um edifício luxuoso e hierarquizado ou nas relações humanizadas proporcionadas pela verticalidade de uma autoestrada, à luz da obra de Michael Foucalt (1994). Já em relação à ordem comportamental, nos debruçamos n'O nascimento da tragédia (2007) de Nietzsche como insumo teórico para inquirir as relações dionisíacas e apolínias nos dois fenômenos. Desta forma, acreditamos encontrar representações com profundas críticas à forma como a sociedade caminhava para uma ideia de controle e/ou caos devido aos novos alicerces que sustentavam os sistemas sociais de então, ainda que sob distintas perspectivas, uma mais pessimista e outra conciliadora. |