Resumo |
A construção do conhecimento e seus referentes juízos tem se constituído como foco de interesse, e, ao mesmo tempo, como grande desafio para os pensadores contemporâneos. Isto porque toma lugar, hoje, uma visão tanto mais plural do que a que ora se tinha ou se acreditava ter do conceito de verdade, como um todo. Neste sentido, os meandros da ética se imbricam, colidem uns com os outros, completam-se ou se repelem e, longe de se pensar que formem estrutura coesa e convergente, passam a ser vistos como uma proliferação de raízes num pântano, as quais se dirigem para todos os lados, como na metáfora deleuziana do rizoma, segundo a qual, a noção de um ponto fixo dá lugar à de um feixe de ramificações, e a de hierarquias se perde (DELEUZE, 2011). Do mesmo modo, outras noções, tais como de identidade, fronteira e, até mesmo, dos saberes, em geral, também se tornam frágeis, partindo-se do reconhecimento de que, em tal terreno, qualquer tipo de compartimentação pressupõe julgamentos arbitrários de valor. Proponho, neste estudo, abrir uma nova possibilidade de leitura deste caráter metamórfico da razão e do juízo no mundo contemporâneo, a partir da análise comparativa de dois romances – Esperando os Bárbaros (1980) do laureado Nobel de Literatura, J.M. Coetzee, juntamente com a obra O Legado da Perda (2007) da indiana, radicada nos Estados Unidos, Kiran Desai. Através de duas personagens masculinas, ambos juízes de meia-idade, envoltos às peculiaridades de suas experiências no campo da ética e da vida pessoal, pretende-se empreender um recorte crítico que mostre a interação de forças no contexto da herança colonial, e seus desvios. É, portanto, escopo principal desta pesquisa traçar-se uma análise comparativa dos romances acima mencionados, situando-os em seus respectivos locus culturais, questionando e desmistificando os conceitos relativos ao campo da ética e do poder, tanto no nível do grupo social, quanto do de indivíduo para indivíduo, reiterando-se o caráter de construção dos mesmos. O foco de nossa discussão liga-se, especialmente, à trajetória do olhar dominante, e à alienação do mesmo, em relação ao Outro, para o que concorrem parâmetros de raça e gênero, os quais se mostram fundamentais na apreciação da configuração das personagens e da trama em si. Deste modo, levando–se em conta tal propósito de análise, estudos sobre o Saber e do Poder na linha de Michel Foucault (1969) e Gilles Deleuze, e Pós-colonialismo, de Thomas Bonnicci (2009) em débito com Homi Bhabba (1994), Stuart Hall (2000), como também de Catherine Belsey (1980) e Janet Wolf (1990), no campo do gênero tornam-se oportunos. |