Resumo |
O que faz com que a morte de uma jovem camponesa do Alentejo, dentre tantas outras mortes em situação similar, torne-se um símbolo de uma luta no Portugal salazarista? O que gera a memória dos mártires? O que deve prevalecer: a memória da família ou a memória coletiva? Até que ponto os veículos de comunicação podem (ou devem) ser utilizados como instrumento de propagação de ideologias?Levando-se em conta que “o real pode ser mitologizado tanto quanto o mítico pode ganhar fortes efeitos de realidade” (HUYSSEN, 2000, p. 16), é possível que cheguemos à verdadeira Catarina Eufémia? Utilizando-se teóricos da memória como Peter Burke, Maurice Halbwachs, Andreas Huyssen, entre outros, este trabalho visa buscar respostas para estas perguntas através de uma análise do romance Anatomia dos Mártires, do premiado autor contemporâneo português João Tordo. O romance, que narra a tentativa de um jornalista em encontrar a verdade sobre a vida e a morte de Catarina Eufémia, jovem camponesa assassinada por um tenente da GNR (Guarda Nacional Republicana), trás pertinentes indagações acerca da pertença da memória e da luta entre os partidos PCP (Partido Comunista Português), que tem utilizado a imagem de Catarina Eufémia como símbolo desde sua morte há mais de 60 anos atrás, e o UDP (União Democrática Popular), que segundo registros, foi responsável pela depredação de um monumento erigido pelo PCP em homenagem à camponesa. O romance ainda questiona algumas controvérsias que permeiam a história de Catarina, como sua suposta filiação ao PCP e sua gravidez no momento do assassinato, que ganhou um estatuto de legitimidade tão grande que, ao ser negada (apenas há cerca de 10 anos), causou um grande mal estar entre as comunidades que compartilhavam esta memória. Além do romance de João Tordo e dos teóricos citados, este trabalho utiliza, como corpus, reportagens jornalísticas sobre a morte de Catarina Eufémia de distintas épocas que comprovam, através das mudanças discursivas, a formação da memória de um mártir. |