Resumo |
Um dos temas muitos discutidos no mundo das artes contemporaneamente é o processo criativo engendrado pelos artistas, independentemente da semiose e da linguagem que utilizam: palavra, sons, traços, imagens, movimentos. No Brasil, mais do que a literatura, a música ocupa espaço privilegiado no universo cultural, pelo fato de seu acesso ser democratizado e por ser, conforme defende José Miguel Wisnik, um “saber alegre e festivo” (WISNIK, 2004). Para Wisnik (2004), “está implícito ou explícito, em certas linhas da canção, um modo de sinalizar a cultura do país que, além de ser uma forma de expressão, vem a ser também (...) um modo de pensar – ou, se quisermos, uma das formas da riflessione brasiliana” (WISNIK, 2004, p. 215). Nesse cenário, este projeto pretende cotejar a canção “Torto Arado”, de Rubel, com o romance homônimo, de Itamar Vieira Júnior, considerando elos entre o discurso narrativo e os dilemas que envolvem seus personagens e os percursos lítero-melódicos materializados pelos intérpretes da canção. Para tanto, este trabalho relaciona a teoria literária, sobretudo a partir de conceitos trazidos por Assis Brasil (2019), com a semiótica da canção, conforme metodologia de análise da canção popular construída por Luiz Tatit (1995; 1997), considerando também estudos de Eduardo Assis Duarte (2010) sobre literatura e afrodescendência no Brasil, de modo consoante ao espaço ocupado pela obra “Torto Arado”. Exemplarmente, interessa-nos observar como as questões essenciais que envolvem as personagens de “Torto Arado”, Bibiana e Belonísia, protagonistas negras e que representam uma família em situação análoga à escravidão, ganham forma na canção do jovem compositor Rubel, da nova geração de autores da MPB, por meio de melodias que gestualizam, oralmente, o conteúdo da letra, que se baseia na narrativa de Vieira Júnior. Com isso, o trabalho constrói gráficos lítero-melódicos, para materializar a relação entre letra e melodia, além de uma tabela comparativa entre trechos do romance e letra da canção, como forma de cotejar os percursos narrativos do romance com os relevos melódicos da canção. Waldenyr Caldas reforça que “o Brasil é um dos poucos, senão o único país, em que a sociedade pode conhecer muito bem sua história política através da canção popular, tal é a sua importância” (p. 92). Desse modo, compreender, neste projeto, a nação brasileira através do caminho percorrido pelas canções populares derivadas de romances literários é uma possibilidade aberta para que os diálogos estéticos, ao romperem fronteiras, também promovam a reconstrução de trânsitos entre classes, gêneros, territórios e discursos, os quais ainda são tão delimitados no país – mesmo com a intensa presença da canção popular em todos os cenários da nação. |